terça-feira, 13 de abril de 2010
quarta-feira, 8 de julho de 2009
sábado, 3 de janeiro de 2009
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Felizmente há luar! Powerpoint
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FELIZMENTE HÁ LUAR! Luís de Sttau Monteiro Peça em dois actos • Publicada em 1961 – Grande Prémio de Teatro da Associação Portuguesa de Escritores – censurada; • 1962 – tentativa do Teatro Experimental do Porto – sem resultado; • 1ª Representação – Paris – 1969; • Representação em Portugal – 1978 – Teatro Nacional. • 2001 – Teatro Experimental do Porto. Contexto da acção da peça (período pós invasões francesas) • Napoleão – Imperador dos franceses • Aliança de Portugal com a Inglaterra • Partida da corte portuguesa para o Brasil • Administração do Reino entregue a uma Junta Provisória Contexto da acção da peça (cont.) • Instabilidade social; • Perseguições políticas constantes reprimindo: a liberdade de expressão, a circulação de ideias e as tentativas para implementar o liberalismo; • Repressão contra os conjurados de 1817; • Condenação à morte de Gomes Freire de Andrade. Personagens • Gomes Freire de Andrade • Matilde • Sousa Falcão • Manuel, Rita • • • • • D. Miguel Forjaz Principal Sousa Beresford Vicente Morais Sarmento / Andrade Corvo Gomes Freire de Andrade • Personagem central • Homem instruído, militar honesto • Símbolo da modernidade e do progresso • Adepto das novas ideias liberais • Símbolo da luta pela liberdade Matilde • Mulher de carácter forte • Corajosa • Denunciadora da hipocrisia do Estado e da Igreja • Símbolo da mulher que ama e sofre. Sousa Falcão • Amigo inseparável do general Gomes F. • Representa a impotência perante os governadores • Dominado pelo desânimo • Assume a sua cobardia perante o exemplo de Gomes Freire. Manuel/Rita • Representantes do povo oprimido e esmagado • Símbolos da consciência popular • Impotentes para alterar a situação • Símbolos do desespero, da desilusão, da frustração Vicente • Elemento do povo • Traidor da sua classe – renega as suas origens • Representa a hipocrisia e o oportunismo • Materialista – pretende uma ascensão social rápida Andrade Corvo / Morais Sarmento • • • • Representam: Cobardia Traição Subserviência Vilania Pers. - Junta Governativa Nobreza Clero Exército D. Miguel Pereira Forjaz D. José A. M. Sousa William Carr Beresford A nobreza orgulhosa A prepotência A corrupção O absolutismo D. Miguel Forjaz representa Principal Sousa O poder da Igreja O ódio aos revolucionários representa O ódio aos franceses O comprometimento da Igreja com o poder O conservadorismo da Igreja O exército O castigo e a denúncia de traidores A superioridade inglesa O desprezo por Portugal Beresford representa O sentido prático Linguagem • Recursos de estilo • Expressões populares • Provérbios • Frases sentenciosas Recursos de estilo • Aliteração (pág. 111) • Antítese (pág. 91) • Comparação (pág. 28) • Diminutivo (pág. 78) • Hipálage (pág. 57) • Hipérbole (pág. 56) • Imagem (pág. 67) • Interjeição (pág. 29) Recursos de estilo (cont.) • Interrog. Ret. (pág.57) • Ironia (pág. 23) • Metáfora (pág. 53) • Onomatopeia (pág. 21) • Paralelismo (pág. 21) • Personificação (pág. 77) • Repetição (pág. 23) • Trocadilho (pág. 88) Felizmente há luar! I m p o r t â n c ia d a s d id a s c á lia s Luz Som M o v im e n ta ç ã o C é n ic a C a r a c te r iz a ç ã o das P e rso n a g e n s Diminui de intensidade no final de cada acto Luz Movimenta-se em palco/muda de tonalidade/altera a intensidade Permite perceber: -a mudança de cenário; - a mudança de espaço; - o destaque das figuras em palco. SOM (didascálias) Ruído dos tambores Sinos a rebate Vozes humanas Ameaçador Clima de terror Dramatismo Obriga ao silêncio Prisão dos revolucionários Execução Aumenta de intensidade no final de cada acto Movimentação cénica (didascálias) • Indicação aos actores • Saída/entrada de personagens • Posição das personagens em cena • Expressão fisionómica dos actores • Linguagem gestual Caracterização das personagens (através das didascálias) • Tom de voz/flexões • Expressão do estado de espírito • Sugestão do aspecto exterior Síntese da Acção Perseguição política ao General Gomes Freire Prisão do General Condenação à morte Revolta desesperada de Matilde e Sousa Falcão Resignação do povo Felizmente há luar! Simbologia • A Saia Verde • A Fogueira • O Luar • O Título A Saia Verde Em vida •Esperança •Felicidade •Liberdade Na morte •Alegria do reencontro •Tranquilidade A Fogueira Presente •Tristeza •Escuridão Futuro •Esperança •Liberdade O Luar Noite •Morte •Mal •Infelicidade Luz •Vida •Saúde •Felicidade Felizmente Há Luar! Opressores Oprimidos •Efeito dissuasor porque ilumina o castigo •Coragem e estímulo para a revolta contra a tirania Século XIX Metáfora do Século XX Século XIX - 1817 Regime absoluto Anti-liberalismo e nacionalismo Existência da Censura levada a cabo pela Inquisição Exploração das classes mais baixas que viviam na ignorância Grande contraste entre os poderosos e o povo que vivia na miséria Sociedade rural, atrasada em relação à Europa Século XX - 1961 Regime autoritário – Estado Novo Salazar opõe-se ao liberalismo e defende o nacionalismo Existência da Censura levada a cabo pelo Comité de Censura Exploração das classes mais baixas; elevada taxa de analfabetismo Grande contraste entre os poderosos e o povo que vivia na miséria Sociedade rural, atrasada em relação à Europa A guerra com os exércitos napoleónicos Início da guerra colonial, responsável ainda está presente na memória do povo pela emigração e exílio de muitos jovens Forças repressoras: polícia Os que se opunham ao governo eram presos e condenados injustamente O povo e alguns militares portugueses, conscientes da situação em que viviam, tentavam derrubar o governo Do Conselho de Regência faziam parte membros da Igreja A Regência assentava numa política maniqueísta Quem não é por nós é contra nós Delatores recebiam dinheiro para identificarem presumíveis conspiradores 1834 Triunfo do Liberalismo PIDE: sustentáculo do regime A condenação sem provas levou muitos militantes anti-fascistas e intelectuais às masmorras da PIDE Militantes anti-fascistas opõem-se à ditadura procurando mudar o regime O regime apoiou-se na Igreja Católica O regime salazarista assentava numa política maniqueísta Quem não é por nós é contra nós Muitos informantes, pagos para denunciarem, ajudaram o regime 1974 Triunfo da Democracia Sec. XIX / Séc. XX • Épocas de crise - violência do poder e ausência de liberdade. • Épocas em que aparecem manifestações reclamando o direito à justiça e à liberdade. • Épocas que anunciam o nascimento de novos tempos (liberalismo oitocentista e o 25 de Abril de 74)
terça-feira, 28 de outubro de 2008
Fernando Pessoa Ortónimo - Análise de textos
Consulte a página, abaixo indicada, e ouça a declamação de "Ó sino da minha aldeia" e "Autopsicografia", de Fernando Pessoa Ortónimo, na voz de João Villaret:
Para ouvir o poema "Ó sino da minha aldeia", musicado e interpretado por Maria Bethânia, clique em: Descarregar (download) a faixa musical.
Leia a análise de texto, abaixo transcrita.
Análise do poema "Ó Sino da Minha Aldeia"
“O poema Sino da minha aldeia, publicado na revista Renascença, no ano de 1914, diz muito dos sentimentos do poeta, relativamente à sua infância. Em 1913 (data em que o poema é escrito), Fernando tem 25 anos, uma idade em que é “normal” o surgimento de uma maturidade intelectual, que leva da adolescência à idade adulta. Mas o que o perturba são ainda as memórias de uma infância feliz, se bem que muito breve, face aos problemas que o assolavam na sua adulta juventude: a instabilidade das emoções, a investigação de temas “maiores do que ele próprio”, a sua “obra” e principalmente a sua “missão”.
João Gaspar Simões, primeiro biógrafo de Pessoa, aborda na sua Vida e Obra de Fernando Pessoa o tema da juventude, sob o título sui generis de “Paraíso Perdido” (págs. 17-28 do Volume I). Compreende-se este título, se compreendermos as circunstâncias da vinda a este mundo do poeta. Ele nasce no n.º 4 do Largo de São Carlos, 4.º andar esquerdo, em Lisboa. Nasceu portanto entre um teatro – o Teatro de São Carlos – e uma igreja – a Igreja dos Mártires. Entre uma igreja popular, tipicamente lisboeta e um teatro das elites, o primeiro teatro lírico português, onde se encenavam as grandes óperas, a que muitas vezes o seu pai assistira na condição de crítico para o Diário de Notícias. Para o rapaz, ficarão para sempre marcadas na memória as badaladas do sino daquela igreja do Chiado, num timbre que se misturaria progressivamente com aquele timbre indistinto, apenas reconhecido pela sensação de vaga felicidade e despreocupação. A sua vida de aldeia, que ele refere no poema, é uma vida de idílio despreocupado, em marcado contraste com a vida citadina que o esmaga e preocupa, quando já não mais uma criança, luta contra se tornar um adulto.
São esses primeiros cinco anos de vida idílica que para sempre ficam na sua memória, como um conforto falso a que recorre quando o desespero o invade e o domina. A memória do apartamento espaçoso, que respirava um ambiente vagamente aristocrático, escadarias abertas e iluminadas, para um largo aberto e limpo, servia para serenar e pacificar. Isso e as “poeiras musicais” trazidas pela figura do seu pai – cujas feições ele mal recorda, e que morre quando ele tem cinco anos – com o qual ainda festejava os seus anos, enquanto era amado, filho único, “menino de sua mãe”. São os anos em que sobretudo a vida é apenas para ser vivida e não pensada. Uma vida que nunca mais retornaria igual senão como “um sonho”, a “soar-lhe na alma distante”.
Análise mais pormenorizada do poema:
Questionário
1. Um sino toca: o sino da aldeia do poeta. Mas cada badalada do sino "Soa dentro da minha alma". Que diferença pode existir entre um sino que toca fora da minha alma e um sino que toca dentro da minha alma?
2. O verso "Tão como triste da vida" tem uma construção pouco habitual. Explique o que se passa.
3. Na segunda quadra, o poeta diz uma coisa muito estranha: este sino toca a primeira pancada, porque a primeira parece sempre a repetição de outra. Pode dizer-se que isso tem que ver com o fato de o sino soar dentro da alma do poeta? Justifique a resposta.
4. Poeta que passa "sempre errante"; que significa esse adjectivo? Que motivos levarão o poeta a considerar-se errante?
5. Na terceira quadra há dois me muito curiosos: "por mais que me tanjas" e "soas-me na alma". Que efeito produzem eles no texto?
6. Comente os dois últimos versos do poema.
7. Haverá diferença entre ouvir um sino na aldeia e ouvir um sino na cidade? Quais as palavras que dão esse ambiente tranquilo da aldeia?
Respostas
1. Sino que toca dentro da alma, é um toque que lembra a Pessoa memórias de infância, portanto um toque que não o deixa indiferente, como qualquer outro toque de outra igreja.
2. "Tão como triste da vida": o poeta quer dizer "Tão lento como triste da vida", no entanto retira essa palavra. Parece-me o uso de uma figura de estilo chamada "elipse". Tira-se uma palavra, que no entanto se subentende.
3. Sim. Porque é um sino metafórico: representa outra coisa, as suas memórias de infância.
4. Errante é aqui "sem destino", sem futuro, sem esperança. Isto porque ele apenas na sua infância encontra conforto e sentido para a vida.
5. "Tanjas perto" e "tocas-me na alma distante" é uma contraposição, quase ironia, pois que "tanjas" é um tocar de instrumento e "tocas-me" é um tocar quase fisico, de influência.
7. "aldeia" é no poema um eufemismo para o espaço onde Pessoa nasceu e cresceu, entre uma igreja e um teatro lírico. Pequena aldeia é no sentido de ter sido a sua aldeia dentro da grande cidade, o seu espaço dentro do espaço indefinido que era de todos.
Fonte: O Major Reformado
Publicada por Abel em 13:06
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domingo, 3 de agosto de 2008
terça-feira, 29 de julho de 2008
sábado, 24 de maio de 2008
domingo, 18 de maio de 2008
sábado, 17 de maio de 2008
Orpheu Nº2 Revista Trimestral de Literatura by Campos, Álvaro de, 1890-
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The Project Gutenberg EBook of Orpheu N�2, by M�rio de S�-Carneiro and Fernando Ant�nio Nogueira Pessoa and �ngelo Vaz Pinto Azevedo Coutinho de Lima and Lu�s de Montalvor This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Orpheu N�2 Revista Trimestral de Literatura Author: M�rio de S�-Carneiro Fernando Ant�nio Nogueira Pessoa �ngelo Vaz Pinto Azevedo Coutinho de Lima Lu�s de Montalvor Illustrator: Guilherme de Santa-Rita Release Date: November 25, 2007 [EBook #23621] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ORPHEU N�2 *** Produced by Vasco Salgado *ORPHEU* *2* *"ORPHEU"* REVISTA TRIMESTRAL DE LITERATURA Propriedade de: ORPHEU, L.^da Editor: ANTONIO FERRO DIRECTORES *Fernando Pess�a* *Mario de S�-Carneiro* *ANO I--1915* *SUMARIO* *N.^o 2* *Abril-Maio-Junho* ANGELO DE LIMA MARIO DE S�-CARNEIRO EDUARDO GUIMARAENS RAUL LEAL VIOLANTE DE CYSNEIROS (?) ALVARO DE CAMPOS LU�S DE MONTALV�R FERNANDO PESS�A _Poemas In�ditos_ _Poemas sem Suporte_ _Poemas_ _Atelier_ (novela vert�gica) _Poemas_ _Ode Mar�tima_ _Narciso_ (poema) _Chuva obl�qua_ (poemas interseccionistas) *Colabora��o especial do futurista* *SANTA RITA PINTOR* *(4 hors-texte duplos)* _Redac��o_: 190, Rua do Ouro--Livraria Brazileira. _Oficinas_: Tipografia do Comercio, 10, Rua da Oliveira, ao Carmo--Telefone 2724 LISBOA "Orpheu" iniciar� na _rentr�e_ uma longa s�rie de conferencias de afirma��o, sendo as primeiras as seguintes: A Torre Eiffel e o Genio do Futurismo, por _Santa Rita Pintor_. A Arte e a Heraldica, pelo pintor _Manuel Jardim_. Teatro Futurista no Espa�o, pelo _Dr. Raul Leal_. As Esfinges e os Guindastes: estudo do bi-metalismo psicologico, por _Mario de S�-Carneiro_. *SERVI�O DA REDAC��O* Varias raz�es, tanto de ordem administrativa, como referentes � assun��o de responsabilidades literarias perante o publico, levaram o _comit�_ redactorial de _ORPHEU_ a achar preferivel que a direc��o da revista f�sse assumida pelos actuais directores, n�o envolvendo tal determina��o a minima discordancia com o nosso camarada Lu�s de Montalv�r, cuja colabora��o, ali�s, ilustra o presente numero. De principio, concordara o _comit�_ redactorial de _ORPHEU_ em n�o inserir colabora��o artistica: por isso mesmo se adoptou uma capa que o era, brilhante composi��o do arquitecto Jos� Pacheco. Posteriormente � sa�da do primeiro numero, julgou, por�m, o mesmo _comit�_ que seria interessante inserir em cada numero desenhos ou quadros de *um* colaborador, em vista do que decidiu *fixar* a capa, tirando-lhe o caracter artistico e dando-lhe um simples e normal aspecto tipografico. A realisa��o desta parte do nosso programa come�a no numero actual com a inser��o dos quatro definitivos trabalhos futuristas de Santa Rita Pintor. O _Manifesto da Nova Literatura_, que havia sido anunciado como devendo fazer parte do n.^o 2 de _ORPHEU_, n�o � n�le inserto nem o acompanha. � motivo disto a circunstancia de que, envolvendo a confec��o d�sse manifesto o desenvolvimento de principios de ordem altamente scientifica e abstracta, �le n�o p�de ficar concluido a tempo de ser inserto. Ou aparecer� com o 3.^o numero da revista, ou mesmo antes, talvez, em opusculo ou folheto separado. O 3.^o numero de _ORPHEU_ ser� publicado em outubro, com o atraso dum m�s, portanto--para que a sua ac��o n�o seja prejudicada pela �poca-morta. Os _hors texte_ de Santa Rita Pintor insertos no presente numero foram fotogravados nos _ateliers_ da *Ilustradora* segundo clich�s de *BARROS & GALAMAS* 146, Rua da Palma--LISBOA *CONDI��ES* Toda a correspondencia deve ser dirigida aos Directores. Convidamos todos os Artistas cuja simpatia esteja com a indole desta Revista a enviarem-nos colabora��o. No caso de n�o ser inserta devolveremos os originais. S�o nossos depositarios em Portugal os srs. Monteiro & C.^a, Livraria Brazileira--190 e 192, Rua Aurea, Lisboa. _ORPHEU_ publicar� um numero incerto de paginas, nunca inferior a 72, ao pre�o invariavel de 30 centavos o numero avulso, em Portugal, e 1$500 r�is fracos no Brazil. *ASSINATURAS* (Ao ano--S�rie de 4 numeros) Portugal, Espanha e Colonias portuguesas 1 escudo Brazil Uni�o Postal 5$000 r�is (moeda fraca) 6 francos *Livraria Brazileira de MONTEIRO & C.^ia--Editores* 190 e 192, RUA AUREA--LISBOA Acaba de aparecer: *C�U EM FOGO* NOVELAS POR MARIO DE S�-CARNEIRO GRANDE SOMBRA--MIST�RIO O HOMEM DOS SONHOS--ASAS--EU-PROPRIO O OUTRO A ESTRANHA MORTE DO PROF. ANTENA O FIXADOR DE INSTANTES--RESSURREI��O 1 VOLUME DE 350 PAGINAS CAPA DESENHADA POR JOS� PACHECO Pre�o 70 centavos *POEMAS IN�DITOS* DE ANGELO DE LIMA _*CANTICO--SEMI-RAMI*_ --Oh! Noute em Teu Amor Silenciosa! --Oh! Estrellas na Noute, Scintillantes, Como Ideaes e Virginaes Amantes!... --Oh! Memoria de Amor Religiosa!... --J� Fui... uma Crean�a Pubescente Que des'brocha em Amor Inconsciente Como n'um Vago Sonho... Commovente Desabrocha uma Rosa Olorescente --A Adolescente... Casta e Curiosa! --E j� Fui... a Galante com Requinte Para dar-me, Esquivando-me em Acinte De P'rigos da Ventura Cyspresinte --Sensitiva... Ao Brisar, do Sol Orinte... --A Nubente... Temente e Desejosa! --E j� Fui... a Noivada pelo Amante, A Cingida de Abra�o Palpitante, Anxe do Sacrificio Inebriante! --A Fl�r que Quebra o Gyneceu... Hiante, --A Desvirgada... Grata e Dolorosa! --Oh! Memoria de Amor Religiosa! --Oh! Estrellas, na Noute, Scintillantes Como Ideaes e Virginaes Amantes... --Oh! Noute em Teu Amor... Silenciosa! J� Fui... como a Senhora, sim, durante Uns Tempos de Ventura Confortante Nos Confortos de um Lar... Hoje Distante... --Como Dista, da Noute, um Pa�o Encante... J� Fui... uma Matrona Virtuosa!... E j� Fui... a Devota pelo Amor, A Adulterin... que Trahe o seu Senhor!... E a que sentiu Doer o Cora��o Ao Fim de Tanta e Cada uma Vez Por cada Intento s� Colh�r Revez Nas Esp'ran�as da Sua Devo��o!... Oh! Noute! em Teu Amor Silenciosa! Oh! Estrellas, na Noute, Scintillantes Como Ideaes e Virginaes Amantes... Oh! Memoria de Amor Religiosa! ......................... E se Ha de Amor, algum Amor Eleito, Aquella Tambem Fui, que Ninguem F�sse, Que, n'um Mysterio, como o Inferno, Doce, Amei a Minha Filha, no seu Leito... Sim, se Ha de Amor algum Amor Eleito, Minhas Irm�s, Cingi-me ao Vosso Peito E Ouvi-Me esta Memoria Dolorosa... J� Fui Aquella que Perdeu a Esp'ran�a, E Errou Espasma Noutes sem Termino, Entre a Treva das Selvas Pavorosa, Anxe em busca de Amantes do Destino... --E A que Lembrou os Tempos de Crean�a!... --E j� Fui como a Sombra da Saudade Amando a Lua, pela Immensidade! --Oh --Oh Como --Oh Noute! em Teu Amor, Silenciosa! Estrellas, na Noute, Scintillantes Ideaes e Virginaes Amantes! Memoria de Amor, Religiosa!... _*NEITHA-KRI*_ � Noute Immensa pela Immensid�o! Recebe em Ti a minha Confiss�o. Eu Nunca disse ao Verdadeiro, N�o! Nem devoro em Remorso o Cora��o!... Sou a Grande Rainha Neitha-Kri... Sou Devota da Noute Pensadora... E Neith � grande, pelos Ceus Senhora... E Eu, Sua Filha, Sou Nofrei-Ari!... Meu Irm�o era o Rei Mentha-Suf'reh!... --E Morreu Enlevado em Sonho Ideal D'um Phyltro que Eu lhe dei para tomar!... --Mentha-Suf'reh n�o Conheceu o Mal --E o Destino Elegeu-me p'ra Reinar Sobre os Milagres do Paiz d'Esneh!... --Sou a Grande Rainha Neitha-Kri! --Sou Devota da Noute Pensadora --E Neith � Grande! pelos Ceus Senhora! --Sou a Rainha!... Sou Nofrei-Ari!... --No meu Corpo Divino e Perfumado Tenho a Carne C�r Mate da Belleza Que � Ammarella de C�r e Delicada, Da C�r Loura da Chamma Incendiada... --Tenho o Porte das Damas da Nobreza Nas Formas do Meu Corpo Consagrado!... --A Thiara Suprema que Investi Coroa a Minha Fronte Sobranceira, Real, Sagrada, Mystice, Altaneira... --E Ent�o--� Neith--sou Divina em Ti!... Na Sombra d'Esta C'roa dos Thanitas Palpitam-me no Seio Delicado Anceios de Desejos Escondidos, Mysteriosos, quasi Indefinidos, Mesmo ao Saber do Meu Olhar Velado --Que tu, � Noute! em Teu Amor Excitas... O Peitoral Sagrado da Magia Repousa nos seus Ouros Esmaltados, Frio sobre os meus Seios Excitados, Como tacite, Oraculo, do Dia... --Sob o P�-ch�nte Cintural Pendente Sobre o Vigor suavemente Curvo Das minhas C�xas no meu star de Hyerata Que Antros Ardentes e que, Amor, Dilata De um Ardor Fulguroso... porque Turvo... De que Immanencia... de que Immanescente?... --� Noute minha M�e na Immensid�o! --� Noute Grande, pelos C�us Senhora... --Scintil d'Estrellas n'Essa Solid�o... --Eu, Sobre a Terra, Sou a Vencedora!... --Erguida nas Sandalias Encurvadas Sou de P� ante Ti, � Verdadeira! Dama da Vida, pelo Amor Ungida... Senhora Principal... Dama da Vida! Eu, Tua Padre-M�e!--a Derradeira... --Entre as Vagas de Incenso a Ti Votadas... --Meu Olhar � Fulguro docemente, Como se n'este Espelho da Verdade Da minha Alma Polytica de Rei, --N'Aquella Presciencia com que Sei --Se Reflectisse a Minha Lealdade --Ou a Luz d'Algum Astro Transcendente... --E os meus Bra�os Frementes Alongados, Cingidos nos Annilos Rictuaes, T�em na M�o o Seter dos Grandes Paes Como as Chaves dos Sellos Reservados... Sou mais Sabia que os Sabios--Eu emfim --Eu que Sei o Segredo Consagrado Das Filtragens do Lotus Divinal Que Floresce em o Rio de Occidente E que Evoccam o Sonho Absorvente Em que Esquecem--a par da Dor do Mal-Os Estrangeiros, o seu Lar Deixado... --Que Encontram outro Lar juncto de Mim... --Meu olhar � Fulguro docemente Em Profunda Dulcissima Certeza Como as Astres do Ceu Immanescente... E M�e--� Neith-eu! � mais que Pura! --Como as Estrellas d'um Fulgor Fremente... --Sou a Ventura Filha da Tristeza D'Esse Teu Medictar Saudosamente... --E assim como os Astros Fascinantes Geram Fatas as Horas dos Instantes, --Meu Amor--o Sem Fim--gera a Loucura! _*NINIVE*_ --Alem Foi--a Ninive da Piedade, A Cidade do Lucto Singular E a Sepultura da Semi-Rami... --E Hoje... st� por Ali, Vaga, a Saudade... --E anda no Ceu Supremo a Eterna Istar... --E... Passa, �s Vezes, a Serpente...--Ali!... Na Camara Longinqua e Silenciosa Da Sepultura da Semi-Rami... --Relegada da Vida Gloriosa --Na Paz Final da Morte Mysterosa --Fria e Saudosa --Dorme a Semi!... --Morreu na Guerra em um Paiz Distante... --Na Expedi��o Fatal em que Morreram Trez Milh�es de Soldados...--e ainda Mais... --E os Guardas d'A Que F�ra a Triumphante --Fieis..., os Seus Cem Guardas Immortaes... Na Piedade Final do Ultimo Preito Denotando os Seus Corpos Vigorosos --Mantendo sobre os Hombros Pressurosos O Feretro Sagrado da Semi... --Por Caminhos Infindos Escabrosos Em Terras de Inimigos... e Chacaes... --Por Soes de Fogo...--Vastos Areaes... --E Pav�res Sacros de Paiz Levante... --Trouxeram Seu Cadaver do Distante --E Inhumaram-A Alli... --Fria e Saudosa!... --Na Camara Longinqua e Silenciosa Da Sepultura da Semi-Rami!... _*....?....*_ --Eras... nos Tempos... Antes da Edade... Teu Gesto Gloro Gerou a Vida!... --E Apoz Teu Gesto... --Supremo... Immesto... --Grande e Tacida... --Depoz... � a Noute na Immensidade!... --E a M�e do Rei do Reino Sul-Occaso Disse a Mu-Ang--Alguma Vez, Accaso... --Olha a Nuvem no C�u... e como Corre!... --Assim as Horas da Ventura Minha... --Quem Tem Filhos na Terra--Esse N�o Morre!... --Despozae--Se Sois Rei--uma Rainha --Que � Tanto como V�s Pela Grandeza... --E... Depois... de Espozardes a Belleza Podeis Seguir Ent�o Vossa Encaminha!... ......................... --E o Rei Mu-An' disse � Rainha, Ent�o... --Junto de V�s... Enlevo-me de Encanto... --Longe, Por�m, do Meu Paiz--Ha tanto,-Que Nem, Meus Reinos, J� Eu Sei se S�o... --Volto ao Meu Reino... n'Esta D�r Tamanha... --Seja--A da M�e do Rei--Esta Montanha Onde Alastra Este Bosque de Arvoredo Junto ao Lago... em que Estamos... em Adeus!... --� M�e do Rei... V�s M'Enlevaes nos C�us --Mas o Meu Cora��o Soffre em Segr�do!... ......................... --Quantos... desde Chu-Si a Kuan-Su --Filhos do C�u nas Filhas do Kiang --Consagraram no Throno dos Hoang --Aureolados do Pav�o Azu?... --E Algum Dia... Encostaram-se Tranquilos Sobre a Meza de Joias do _Estar Manso_ --E Cerraram os Olhos nos Seus Cilos... --E Abateram Seu Gesto Socegado De Imp'radores do Imperio Consagrado... --No Gesto da Decencia e do Descanso!... _*EDD'ORA ADDIO...--MIA SOAVE!...*_ Aos meus amigos d'ORPPHEU --Mia Soave...--Ave?!...--Alm�a?!... --Maripoza Azual...--Transe!... Que d'Alado Lidar, Canse... --Dorta em Paz...--Transpasse Id�a!... --Do Occaso pela Epop�a... Dorto... Stringe... o Corpo Elance... Vae � Campa...--Il C'or descanse... --Mia Soave...--Ave!...--Alm�a!... --N�o Doe Por Ti Meu Peito... --N�o Choro no Orar Cicio... --Em Profano...--Edd'ora... Eleito!... --Balsame--a Campa--o Roc�o Que Cahe sobre o Ultimo Leito!... --Mi' Soave!... Edd'ora Addio!... --Estes Versos Antigos Que Eu Dizia Ao Compasso Que Marca o Cora��o Lembram Ainda?...--Lembrar�o um Dia... --Nas Memorias Dispersas Recolhidas Sequer, na Piedosa Devo��o D'Algum Livro de Cousas Esquecidas?... --Accaso o Que Ora Canta... Vive... Existe Nunca Mais Lembrar�--Eternamente?... --E, Vindo do N�o-Ser, Vae, Finalmente, Dormir no Nada... Magestoso e Triste?... ANGELO DE LIMA. _MARIO DE S�-CARNEIRO_ *POEMAS SEM SUPORTE* a Santa Rita Pintor. _ELEGIA_ Minha presen�a de setim, Toda bordada a c�r de rosa, Que f�ste sempre um adeus em mim Por uma tarde silenciosa... � dedos longos que toquei, Mas se os toquei, desapareceram... � minhas b�cas que esperei, E nunca mais se me estenderam... Meus Boulevards d'Europa e beijos Onde fui s� um espectador... --Que s�no lasso, o meu amor; --Que poeira d'ouro, os meus desejos... Ha No Em Da m�os pendidas de amuradas meu anseio a divagar... mim findou todo o luar lua dum conto de fadas... Eu fui alguem que se enganou E achou mais belo ter errado... Mantenho o tr�no mascarado Aonde me sagrei Pierrot. Minhas tristezas de cristal, Meus d�beis arrependimentos S�o hoje os velhos paramentos Duma pesada Catedral. Pobres enleios de carmim Que reservara pra algum dia... A sombra loira, fugidia, J�mais se abeirar� de mim... --� minhas cartas nunca escritas, E os meus retratos que rasguei... As ora��es que n�o rezei... Madeixas falsas, fl�res e fitas... O �petit-bleu� que n�o chegou... As horas vagas do jardim... O anel de beijos e marfim Que os seus dedos nunca anelou... Convalescen�a afectuosa Num hospital branco de paz... A d�r magoada e duvidosa Dum outro tempo mais lilaz... Um bra�o que nos acalenta... Livros de c�r � cabeceira... Minha ternura friorenta-Ter amas pela vida inteira... � grande Hotel universal Dos meus fren�ticos enganos, Com aquecimento-central, Escrocs, cocottes, tziganos... � meus Caf�s de grande vida Com dan�arinas multicol�res... --Ai, n�o s�o mais as minhas d�res Que a sua dan�a interrompida... _Lisboa--mar�o de 1915._ _MANUCURE_ Na sensa��o de estar polindo as minhas unhas, Subita sensa��o inexplicavel de ternura, Todo me incluo em Mim--piedosamente. Emtanto eis-me s�zinho no Caf�: De manh�, como sempre, em bocejos amarelos. De volta, as mesas apenas--ingratas E duras, esquinadas na sua desgraciosidade Bo�al, quadrangular e livre-pensadora... F�ra: dia de Maio em luz E sol--dia brutal, provinciano e democr�tico Que os meus olhos delicados, refinados, esguios e citadinos N�o podem tolerar--e apenas for�ados Suportam em nauseas. Toda a minha sensibilidade Se ofende com este dia que ha de ter cantores Entre os amigos com quem ando �s vezes-Trigueiros, naturais, de bigodes fartos-Que escrevem, mas t�em partido politico E assistem a congressos republicanos, V�o �s mulheres, gostam de vinho tinto, De peros ou de sardinhas fritas... E eu sempre na sensa��o de polir as minhas unhas E de as pintar com um verniz parisiense, Vou-me mais e mais enternecendo At� chorar por Mim... Mil c�res no Ar, mil vibra��es latejantes, Brumosos planos desviados Abatendo flexas, listas vol�veis, discos flexiveis, Chegam tenuemente a perfilar-me Toda a ternura que eu pudera ter vivido, Toda a grandeza que eu pudera ter sentido, Todos os scenarios que entretanto Fui... Eis como, pouco a pouco, se me f�ca A obsess�o d�bil dum sorriso Que espelhos vagos reflectiram... Leve inflex�o a sinusar... Fino arrepio cristalisado... Inatingivel deslocamento... Veloz fa�lha atmosf�rica... E tudo, tudo assim me � conduzido no espa�o Por innumeras intersec��es de planos Multiplos, livres, resvalantes. � l�, no grande Espelho de fantasmas Que ondula e se entregolfa todo o meu passado, Se desmorona o meu presente, E o meu futuro � j� poeira... ......................... Deponho ent�o as minhas limas, As minhas tesouras, os meus godets de verniz, Os polidores da minha sensa��o-E solto meus olhos a enlouquecerem de Ar! Oh! poder exaurir tudo quanto n�le se incrusta, Varar a sua Beleza--sem suporte, emfim!-Cantar o que �le revolve, e amolda, impregna, Alastra e expande em vibra��es: Subtilisado, sucessivo--perp�tuo ao Infinito!... Que cal�tes suspensas entre ogivas de ru�nas, Que triangulos s�lidos pelas naves partidos! Que h�lices atr�s dum v�o vertical! Que esferas graciosas sucedendo a uma bola de t�nnis!-Que loiras oscila��es se ri a b�ca da jogadora... Que grinaldas vermelhas, que l�ques, se a dan�arina russa, Meia-nua, agita as m�os pintadas da Salom� Num grande palco a Ouro! --Que rendas outros bailados! Ah! mas que inflex�es de precipicio, estridentes, cegantes, Que vertices brutais a divergir, a ranger, Se facas de apache se entrecruzam Altas madrugadas frias... E pelas esta��es e cais de embarque, Os grandes caixotes acumulados, As malas, os fardos--p�le-m�le... Tudo inserto em Ar, Afei�oado por �le, separado por �le Em multiplos intersticios Por onde eu sinto a minh'Alma a divagar!... --� beleza futurista das mercadorias! --Sarapilheira dos fardos, Como eu quisera togar-me de Ti! --Madeira dos caixotes, Como eu anseara cravar os dentes em Ti! E os pregos, as cordas, os aros...-Mas, acima de tudo, como bailam faiscantes A meus olhos audazes de beleza, As inscri��es de todos esses fardos-Negras, vermelhas, azuis ou verdes-Gritos de actual e Comercio & Industria Em transito cosmopolita: *FRAGIL! FRAGIL!* *843--AG LISBON* *492--WR MADRID* �vido, em sucess�o da nova Beleza atmosferica, O meu olhar coleia sempre em frenesis de absorv�-la � minha volta. E a que m�gicas, em verdade, tudo baldeado Pelo grande fluido insidioso, Se volve, de grotesco--c�lere, Imponder�vel, esbelto, leviano... --Olha as mesas... Eia! Eia! L� v�o todas no Ar �s cabriolas, Em s�ries instantaneas de quadrados Ali--mas j�, mais longe, em lozangos desviados... E entregolfam-se as filas indestrin�avelmente, E misturam-se �s mesas as insinua��es berrantes Das bancadas de veludo vermelho Que, ladeando-o, correm todo o Caf�... E, mais alto, em planos obliquos, Simbolismos aereos de heraldicas t�nues Deslumbram os xadrezes dos fundos de palhinha Das cadeiras que, estremunhadas em seu s�no horisontal, V� l�, se erguem tambem na sarabanda... Meus olhos ungidos de Novo, Sim!--meus olhos futuristas, meus olhos cubistas, meus olhos interseccionistas, N�o param de fremir, de sorver e faiscar Toda a beleza espectral, transferida, suced�nea, Toda essa Beleza-sem-Suporte, Desconjuntada, emersa, variavel sempre E livre--em muta��es continuas, Em insond�veis divergencias... --Quanto � minha ch�vena banal de porcelana? Ah, essa esgota-se em curvas gregas de anfora, Ascende num v�rtice de espiras Que o seu rebordo frisado a ouro emite... � no ar que ondeia tudo! � l� que tudo existe!... ... Dos longos vidros polidos que deitam s�bre a rua, Agora, chegam teorias de v�rtices hialinos A latejar cristalisa��es nevoadas e difusas. Como um raio de sol atravessa a vitrine maior, Bailam no espa�o a tingi-lo em fantasias, La�os, grifos, setas, azes--na poeira multicolor--. *APOTEOSE.* ......................... Junto de mim ressoa um timbre: Laivos sonoros! Era o que faltava na paisagem... As ondas acusticas ainda mais a subtilisam: L� v�o! L� v�o! L� correm �geis, L� se esgueiram gentis, franzinas c�rsas d'Alma... Pede uma voz um numero ao telefone: Norte--2, 0, 5, 7... E no Ar eis que se cravam moldes de algarismos: ASSUN��O DA BELEZA NUM�RICA! [Nota do Transcritor: Aqui surge a composi��o com n�meros.] Mais longe um criado deixa cair uma bandeja... N�o tem fim a maravilha! Um novo turbilh�o de ondas prateadas Se alarga em �cos circulares, r�tilos, farfalhantes Como �gua fria a salpicar e a refrescar o ambiente... --Meus olhos extenuaram de Beleza! Inefavel devaneio penumbroso-Descem-me as palpebras vislumbradamente... ......................... ... Come�am-me a lembrar aneis de jade De certas m�os que um dia possu�-E ei-los, de sort�l�gio, j� enroscando o Ar... Lembram-me beijos--e sobem Marcheta��es a carmim... Divergem h�lices lantejoulares... Abrem-se cristas, fendem-se gumes... Pequenos timbres d'ouro se enclavinham... Al�am-se espiras, travam-se cruzetas... Quebram-se estrelas, sossobram plumas... Dorido, para roubar meus olhos � riqueza, Fincadamente os cerro... Embalde! N�o ha defesa: Zurzem-se planos a meus ouvidos, em catadupas, Durante a escurid�o-Planos, intervalos, quebras, saltos, declives... --� m�gica teatral da atmosfera, --� m�gica contemporanea--pois s� n�s, Os de Hoje, te dobr�mos e fremimos! ......................... Eia! Eia! Singra o tropel das vibra��es Como nunca a exgotar-se em ritmos iriados! Eu proprio sinto-me ir transmitido pelo ar, aos novelos! Eia! Eia! Eia!... (Como tudo � diferente Irrealisado a g�s: De livres pensadoras, as mesas fluidicas, Diluidas, S�o j� como eu catolicas, e s�o como eu monarquicas!...) ......................... ......................... Sereno. Em minha face assenta-se um estrangeiro Que desdobra o �Matin�. Meus olhos, j� tranquilos de espa�o, Ei-los que, ao entrever de longe os caracteres, Come�am a vibrar Toda a nova sensibilidade tipografica. Eh-l�! grosso normando das manchettes em sensa��o! It�lico afilado das cr�nicas diarias! Corpo-12 romano, instalado, burguez e confortavel! G�ticos, cursivos, rondas, inglesas, capitais! Tipo miudinho dos pequenos anuncios! Meu elzevir de curvas pederastas!... E os ornamentos tipograficos, as vinhetas, As grossas tarjas negras, Os �puzzle� frivolos da pontua��o, Os asteriscos--e as aspas... os acentos... Eh-l�! Eh-l�! Eh-l�!... [Nota do Transcritor: Aqui surge uma composi��o com caracteres.] --Abecedarios antigos e modernos, Gregos, g�ticos, Slavos, arabes, latinos--, Eia-h�! Eia-h�! Eia-h�!... (Hip! Hip-l�! nova simpatia onomotopaica, Rescendente da beleza alfabetica pura: Uu-um... kess-kresss... vliiim... tlin... blong... flong... flak... P�-am-pam! Pam... pam... pum... pum... Hurrah!) Mas o estrangeiro vira a p�gina, L� os telegramas da Ultima-Hora, T�o leve como a folha do jornal, Num rodopio de letras, Todo o mundo repousa em suas m�os! --Hurrah! por v�s, industria tipografica! --Hurrah! por v�s, empresas jornalisticas! *MARINONI* *LINOTYPE* *O SECULO* *BERLINER TAGEBLATT* *LE JOURNAL* *LA PRENSA* *CORRIERE DELLA SERA* *THE TIMES* *NOVO�E VREMI�* Por ultimo desdobra-se a folha dos anuncios... --� emotividade zebrante do Reclamo, � est�tica futurista--_up-to-date_ das marcas comerciais, Das firmas e das taboletas!... *LE BOUILLON KUB* *VIN D�SILES* *PASTILLES VALDA* *BELLE JARDINI�RE* *FONSECAS, SANTOS & VIANNA* HUNTLEY & PALMERS _*Joseph Paquin, Bertholle & C.^ie*_ _*LES PARFUMS DE*_ *COTY* *SOCI�T� G�N�RALE* *CR�DIT LYONNAIS* *BOOTH LINE* *NORDDEUTSCHER LLOYD* *COMPAGNE INTERNATIONAL DES WAGONS LITS ET DES GRANDS EXPRESS EUROP�ENS* E a esbelta singeleza das firmas, LIMITADA. ......................... ......................... Tudo isto, por�m, tudo isto, de novo eu refiro ao Ar Pois toda esta Beleza ondeia l� tambem: Numeros e letras, firmas e cartazes-Altos-rel�vos, ornamenta��o!...-Palavras em liberdade, sons sem-fio, MARINETTI + PICASSO = PARIS < *SANTA RITA PINTOR + FERNANDO PESSOA ALVARO DE CAMPOS !!!* *"RODDY"* Antes de me erguer lembra-me ainda, A maravilha parisiense dos balc�es de zinco, Nos bares... n�o sei porqu�... --_Un vermouth cassis_... _Un Pernod � l'eau_... _Un amer-citron_... _une grenadine_... ......................... ......................... ......................... Levanto-me... --Derrota! Ao fundo, em maior excesso, ha espelhos que reflectem Tudo quanto oscila pelo Ar: Mais belo atrav�s d�les, A mais subtil destaque... --� sonho desprendido, � luar errado, Nunca em meus versos poderei cantar, Como anseara, at� ao espasmo e ao Oiro, Toda essa Beleza inatingivel, Essa Beleza pura! R�lo de mim por uma escada abaixo... Minhas m�os aperreio, Esque�o-me de todo da ideia de que as pintava... E os dentes a ranger, os olhos desviados, Sem chap�u, como um possesso: Decido-me! Corro ent�o para a rua aos pinotes e aos gritos: --Hil�! Hil�! Hil�-h�! Eh! Eh!... Tum... tum... tum... tum tum tum tum... *VLIIIMIIIIM...* *BR�-�H... BR�-�H... BR�-�H!...* *FUTSCH! FUTSCH!...* *ZING-TANG... ZING-TANG...* *TANG... TANG... TANG...* *PR� � K K!...* _Lisboa--Maio de 1915._ MARIO DE S�-CARNEIRO. [Nota do Transcritor: Aqui surge a fotograva��o de _Hors Texte_ de Santa Rita Pintor.] *SANTA RITA PINTOR.* PARIS ANNO 1913. Compenetra��o est�tica interior de uma cabe�a--complementarismo cong�nito absoluto. _(SENSIBILIDADE LITHOGRAPHICA.)_ *POEMAS* DE EDUARDO GUIMARAENS _SOBRE O CYSNE DE ST�PHANE MALLARM�_ Um sonho existe em n�s como um cysne num lago de agua profunda e clara e em cujo fundo existe um outro cysne branco e ainda mais branco e triste que a sua f�rma real de um tom dolente e vago. Nada: e os gestos que tem, de caricia e de afago, lembram da imagem tenue, onde a tristeza insiste em ser mais alva, a gra�a inversa que consiste a dolente mudez de um espelho presago. Um Cysne existe em n�s como um sonho de calma, placido, um Cysne branco e triste, longo e lasso e puro, sobre a face occulta de nossa alma. E a sua imagem lembra a imagem de um destino de pureza e de am�r que segue, passo a passo, este Sonho immortal como um Cysne divino. _FOLHAS MORTAS_ D�ste relogio belga, enorme, branco e triste, tombam as horas como folhas mortas. Por uma tarde outomnal, triste de spleen e folhas mortas: Em cada vaso negro ha um lirio nobre e triste. Em cada vaso negro ha um lirio nobre e triste e as horas tombam como folhas mortas. Porque n�o nasci eu um lirio nobre e triste, p�tala sem perfume entre essas folhas mortas? Um Versalhes fulgura em cada illus�o triste, um Versalhes de outomno atapetado de folhas mortas! Em cada vaso negro ha um lirio nobre e triste e as horas tombam como folhas mortas... _SOB OS TEUS OLHOS SEM LAGRIMAS_ Ah! n�o dir�s por certo que n�o te amei, que n�o soffri! --Foi-me a tua alma assim como um sal�o deserto onde, uma noite, me perdi. Um ramo de violetas fenecia em cada movel amortalhado pelo p�; a purpura das cortinas, rubra, estremecia presa a cada janella. Eu hesitava, s�. --E era meu cora��o, por ti quasi ferido, � duvida infantil que o emmudecera j�, um velho piano adormecido que ninguem mais acordar�. EDUARDO GUIMARAENS. *ATELIER* NOVELA VERT�GICA POR RAUL LEAL *Atelier* Em ondas de perf�me estranho as convulsivas exala��es do Sonho iluminam v�gamente o l�r sombrio do artista que outra luz quasi n�o possue. A poucos p�ssos duma t�la, profunda como a dor que ela evoca, o modelo por entre as vibra��es duma alucina��o sinistra todo vigorosamente cont�rce a alma, pelo semblante derramando a tort�ra que a alma cava. Compreende a �rte, no seu espirito sente a express�o do belo que todo o arrasta e anci�samente procurando ao artista transmitir a sublime inspira��o da d�r, f�rte, arrebatadora, na pr�pria fisionomia a idialisa torturando o espirito que s� assim, no semblante se concretisa... pela d�r! � gigantesca a sua personalidade que ao b�lo tudo sacrifica, que s� do b�lo s�be viv�r!... Envolvido nas trevas convulsivas que o seu espirito concebe, Luar ardentemente transpira o delirio da morte, o espasmo eterno da Existencia que s� ele p�de sentir, e � nesse ambiente de horror vigor�samente concentrado nele, sintese suprema do Universo, � nesse ambiente, forte e sublime, que Luar, o modelo idial, procura eternamente arrastar a vida!... E o horror em que a sua alma se torna, ele domina e... vigorisa...! Cresce nesse momento duma arte tragica que a mat�ria mal toca e em que s� o espirito vibra em vibra��es transcendentes que mal se concretisam pela sensa��o, cresce nesses instantes, apagados para a vida vulgar que o intimo das cousas n�o concebe, que o espiritualismo convulsivo da Existencia totalmente desconhece numa inconsciencia estranha, cresce na alma de Luar a loucura sublime de espirito que a tenebrosa, a imaterial vertigem do Universo, da Vida delirantemente acentua numa tragedia divina, que o transcendentalismo ardente da Ancia todo dolorosamente exprime pelo espasm�dico histerismo que a Existencia forma, pelo arrebatamento convulsivo do Sonho Universal!... E nesses instantes tudo nele vibra, tudo que � nele o Espirito... Da sua concep��o tr�gica se alimenta, alimentando-se, assim, da sua alma, da sua alma que se torna a alma da Existencia! No atelier do pintor Luar vigorosamente assim prepara a alma, preparando assim, a express�o do semblante. E torna-se sublime, atinge a vertigem do Infinito... Atrav�s do seu delirio, do sonho convulsivo que todo o arrebata, ele desperta o artista que assim, todo se sublima tambem! � Luar a pr�pria inspira��o que o artista eterisa... Num crescendo impetuoso o sonho em que Luar todo se torna, no g�nio do pintor se ev�la todo e, assim, o artista em que o sonho v�gamente se esb�te perdendo-se por fim, na mesma di�fana atmosf�ra idial se el�va, tr�gicamente divinisando a alma!... Tudo � et�reo e profundamente convulsivo; uma alucina��o vibrante tudo transforma, tudo arrebata no seu turbilh�o genial...! Uma poder�sa ac��o mediumnica a levita��o total das cousas, assim eterisadas, provoca ent�o... E � Luar o f�co tenebroso da alucina��o sinistra que em red�r se esb�te, vagificando-se mais!... No arrebatamento vibrante em que a alma de Luar, em que Luar consigo arrasta tudo, uma paix�o crescente fortemente se esbo�a e ela que a personalidade genial do modelo agita toda, nas convuls�es da carne toda se exprimindo, em ondas solu�antes d'ancia se espraia impetuosamente atrav�s do �ter nebuloso que todo se perde na mans�o do artista!... Formidavel se torna a paix�o crescente que tudo arrebata e tudo quer arrebatar... Como duendes infernaes que mal se esbocem, a concep��o doentia de Luar sombras ef�meras vertiginosamente gera e tudo que os sentidos ainda pode ferir, num paroxismo de loucura se debate convulsivamente em estert�r qual caterva turbilhonaria de todas as express�es da d�r que s� uma alma vigorosa conceber p�de! Sim, tudo na alma de Luar se transforma e tudo ardentemente �le quer transformar...! Ele quer transformar, tudo no seu espirito arrebatando!... � para o artista que a sua alma trabalha, � pois, o artista que na sua concep��o mais se divinisa...! � �le o reflexo vibrante do seu sonho, do sonho que o forma, em que convulsamente todo se eterisa...! Suprema emana��o se torna da sua alma!... S� a inspira��o o sublima, o personalisa--e a inspira��o � Luar! Esse ser estranho que ele pr�prio criou e que na tela genialmente lhe derrama a alma, Luar, cheio d'ancia, conservar quer no seu espirito e transformando-se, ent�o, em ondas de vol�pia a sua paix�o ardente, a paix�o da d�r, como la�os infernais as lan�a ao artista que num turbilh�o de f�go, o fogo da sua paix�o, todo arrebatar quer para a sua alma!... Uma luta intima, obscura se gera! Impetuosas s�o as convuls�es de espirito que, emanadas de Luar, a personalidade do artista sacodem toda mas, como resplendor di�fano duma luz infinita, no artista surgem esbatidas, perdendo-se atrav�s do espa�o!... E Luar isto pressente e o seu pr�prio sonho, na imagina��o do pintor rialisado, ele quasi deixa desprender... pelo temor duma vit�ria alheia! A sua pr�pria f�r�a inspiradora o aterrorisa. Se rialmente o artista se n�o deixasse enlevar no sonho de Luar, acaso na vaga eterisa��o espiritual encontrar-se-hia?... N�o e, assim, qualquer f�r�a esmagadora, de Luar mal vinda, abruptamente o n�o faria despenhar-se na mat�ria em que j� permaneceria e que o h�bito tornaria ent�o, quasi insentivel. Luar teme ser incompreendido. Se toda a sua paix�o sobre o artista desencadear num deboche supremo, paroxismo da arte, o artista que, simples reflexo do foco inspirador, o n�o atingiu ainda, e nubelosa inst�vel, simples irradia��o do sonho em que vagamente se banha, toda poder� romper, perdendo-se para sempre da alma de Luar numa queda fatal. Mas a ancia � igualmente forte, a ancia em completar a evolu��o do artista no foco tenebroso da sua alma!... Por�m, a f�r�a infinita Luar n�o possue ainda, a sua f�r�a esbate-se, a continuidade do Infinito n�o cont�m... A arte, em seu luxurioso paroxismo espasmo da d�r, ainda na alma do artista se define, se concretisa em imagens, s� a imagem ele concebe, n�o concebe o Espirito, o Absoluto Indefinido que num deboche de espirito vertiginosamente se desencadearia!... E acaso o vig�r duma lux�ria transcendente e a selv�tica brutalidade material o artista n�o poder� confundir, despenhando-se do sonho di�fano que, emanado de Luar, nele se esbo�a, apenas?... Luar quer o artista arrebatar emfim, por totalmente o interiorisar em si atrav�s dum deboche convulsivo--ardentemente anceia mas o temor hesitante o torna, o temor de ser incompreendido, de como simples animal, cheio de cio, ser considerado, emfim, de perder para sempre a alma a que tanto aspira!... Teme a sua f�r�a e a sua fraqueza, a sua f�r�a que, por uma ilus�o cruel, o horror da mat�ria pode desenrolar perante o artista, erguido acima dela que, assim, desprezivel se mostra, a sua fraqueza que mais n�o pode elevar o artista, mais, at� ao paroxismo da arte que � o paroxismo do deboche e... da d�r!... E o artista admira Luar, n�o o sente, nas convuls�es da sua alma n�o se quer fundir... N�o admiramos o que a n�s � estranho, sentindo ent�o, o que j� n�o admiramos?... E � horrivel a ang�stia em que Luar se debate, ele j�mais sonhou uma d�r assim! Como farrapos de nuvens tenebrosas numa dan�a macabra, figuras vagas e obscuras da alma de Luar se erguem, dolorosamente se contorcendo todas e todas vertiginosamente se debatendo numa loucura genial, a loucura da Existencia, do Espirito..., e nessa vertigem suprema em que a tortura e a convuls�o doidamente se misturam, se confundem, um ponto de luz sinistra, numa express�o vaga de sonho, ao fundo se esbo�a atrav�s da lividez da morte e como que indiferente ao turbilh�o l�gubre de d�r que s� a alma de Luar soube criar!... � o artista que, espiritualisado na concep��o sublime do mod�lo, na alucina��o tenebrosa da sua alma estranha, ao longe vagueia a alma perdidamente, num cinismo de est�ta friamente admirando a d�r que, num debate prodigioso, o espasmo da morte intensifica atrav�s dum c�os infinito, duma vertigem convulsiva...! S�fregos turbilh�es a alma de Luar do seu pr�prio �mago tenebroso arranca mas, quais vagas impetuosas que todas se despedacem, se percam de encontro ao tr�gico granito, as torrentes tempestuosas d�sse fe�rico oceano espiritual todas aterrorisadoramente se quebram por entre as r�gidas malhas impenetr�veis da alma do artista! Todo �sse convulsionismo gigant�sco que sublima Luar, essa ancia invencivel, ardente de, por um deboche estulto, dominar o artista, o mod�lo mais n�o pode suportar e, caindo, ent�o, numa prostra��o infinda em que toda a sua alma se dissolve, como que um campo noturno se torna duma batalha passada o qual uma luz p�lida, sombria de lua vagamente ilumine, a luz vaga que o artista da sua alma toda, ent�o, ex�la!... Foi o artista a luz vaga do ultimo quadrante quando, num delirio de morte, numa cavalgada inconsciente, nuvens tenebrosas em convuls�es a envolvem sem a arrebatar, e agora, sempre sereno, frio, l�gubre, a sua p�lida luz derrama na alma do mod�lo atrav�s duma vaga neblina silenciosa, da n�voa melanc�lica em que a alma de Luar toda se ex�la, se esvai...! Mas uma torrente de f�go Luar novamente abraza e do seu repouso instant�neo, s�bito, se erguendo, numa arrancada formid�vel s�bre o artista se lan�a, cravando-o de beijos em que lhe quer arrebatar a alma! Em convuls�es que o repouso alimentou, todo o seu espirito se p�e, torna-se indom�vel, gigant�sco, impetuoso qual vaga rancorosa que um vulc�o eleve, qual torrente devastadora de Apocalypse Fatal!... O artista cheio de pasmo o olha, e naquela arrancada impetuosa ambos na terra se despenham, esquecendo o sonho, a alucina��o... A paz volta aos espiritos, uma paz l�gubre, cheia de pres�gios sinistros! O paroxismo da d�r n�o poude ser atingido, para ambos se perdeu...! ......................... Passaram-se j� alguns dias. O artista uma como��o profunda no seu espirito sofre, sob um novo aspecto olha o modelo, j� qu�si lhe sente a alma... Encarna-se na tenebrosa escabrosidade do seu esp�rito tr�gico, sente-o mais belo, mais profundo, sublime...! Os transes variados em que bruscamente se lan��ra Luar naquela tarde tragica, essa variedade de transes que o modelo t�o vigorosamente suport�ra, entontece-lhe a alma, j� n�o o admira apenas, deseja-o e cheio de ardor, de ancia!... Procura-o em toda a parte e, por fim, encontrando-o, repleto duma luxuria de espirito lhe diz: �J�mais te compreendi, Luar, como agora te compreendo. Talvez te n�o compreendesse ainda se logo tivesse cedido ao teu desejo. Mas o tempo tive de refletir, de sonhar em ti. A tua nobreza estranha que, ap�s o meu pasmo, subitamente te acalmou os nervos, fundamente me impressionou, os contrastes da tua alma s�o maravilhosos e s� a tua personalidade sublime, genial... a oscila��es bruscas de car�ter poderia resistir! Quero-te pois, a tua ancia �, hoje, a minha; sem os teus beijos profundos n�o posso passar, a minha carne na tua se entranhar� para que na tua alma se espiritualise toda!...� E procura-lhe a boca. Luar su�vemente o afasta, dizendo-lhe, apenas: �Refleti tambem, sonhei... Amanh� conhecer�s o meu sonho.� No dia seguinte, o artista recebe uma carta que os seguintes termos cont�m: _Meu querido amigo_ Estranhar�s talvez que s� agora te exponha o meu sonho derradeiro mas preciso de toda a minha alma e, s� quando escrevo, aos borbulh�es caudalosamente a broto de mim. Sem a pena, mantenho-me numa concentra��o tr�gica, mal mostro aos outros o meu espirito. � que o derramamento da alma no papel � ainda qu�si espiritual, a alma em excesso se n�o exteriorisa, impuramente se n�o materialisando. Diz-me, se num drama, se numa trag�dia vigorosa uma tempestade formidavel, num paroxismo fatal, se desencadeasse toda, atingindo, por fim, um limite definido que a banalisasse, acaso admirarias esse drama, essa tragedia?... Pois bem, o indefinido a que na arte n�s aspiramos, essa ancia de idial que mais do que o idial para n�s vale, essa ancia, esse desejo infinito e j�mais satisfeito deve encher a nossa vida que a mais alta express�o se tornar� assim, da arte pura!... � vertiginosa a Existencia e espiritual, transcendente � a vertigem dela! J�mais a extens�o conhece, no Espirito Puro que a extens�o transcende, a vertigem se personalisa, se consubstancia, se acentua toda, n�o se espalha numa actividade mecanica, � a actividade espiritual, o dinamismo puro!... Est� nisso a sua beleza, a sua propria existencia que, s� assim, toda confundida num Todo, no Infinitesimal, na M�nada, que s� assim se acentua toda, s� assim se d�!... � sublime o convulsionismo espiritual e s� ele � sublime! De que deriva a sua sublimidade? Da sua energia que s� no Espirito, na M�nada se acentua toda!... Ha pois, na vertigem convulsiva da Existencia uma expans�o tenebrosa. Toda a actividade, a energia toda que a forma, no espa�o e no tempo n�o se expande, mantem-se torturada no Infinitesimal. � infinita, eternamente tudo alcan�a, infinitesimalisa-se, espiritualisa-se pois... S� no transcendental existe, s� nele eternamente se debate! Tem uma expans�o, uma liberdade infinita que, como infinita, tudo atinge eternamente, como que eternamente se autodestruindo assim!... Se s� no Transcendental existe, se � transcendente, se no mesmo ponto infinitesimal, na M�nada, eternamente se debate � que a si pr�pria se contorce toda numa tortura infinita!... E n�o exprime a d�r e sobretudo a ancia o convulsionismo transcendente, torturado, contorcido da actividade pura, espiritual?... n�o � ela a express�o sublime da Vertigem?... Na d�r, na ancia devemos viver! A transcendentalisa��o supr�ma da energia pura, espiritualisando-a, em absoluto a indefine, o Infinitesimal em que a energia eternamente se debate, o indefinismo absoluto cont�m. E ela propria, a pr�pria atividade em si n�o exprime j� o Indefinido?... Quando transcendente, � o indefinismo dela absoluto, ela torna-se a Vertigem! E que cousa � a ancia, a ancia em si, sen�o o limiar privilegiado dessa Vertigem Pura, o seu sintoma magnifico, a sua acentua��o humana?... Ao indefinido na arte aspiramos pois, a um indefinido cheio de tortura, �rafin� como o que o g�nio de Baudelaire compreendeu e quando essa tortura do Indefinido enche o intimo da nossa alma, ent�o, cheia d'ancia--e, assim, Nietzsche quasi a desejou--ela quasi atinge o paroxismo eterno da Existencia que toda se debate na Vertigem Infinita! E n�o s� na arte deve existir a ancia mas tambem na vida, a ancia dolorosa do Indefinido!... A ancia n�o � s� a d�r, n�o � qualquer d�r. Pode esta ser deprimente, humilhante: e sempre o � quando n�o compreendida, quando em sua beleza suprema sentida n�o pode ser!... A d�r forte, virilisadora, a d�r profunda e amoral, a d�r em que o eu domine, d�r de espirito... � que � a d�r suprema, a d�r est�tica! Dominar na d�r, sentir a f�r�a de viver nela, prazer infindo...! E a tortura transcendental da Existencia em que a Vertigem toda se acentua, se imp�e, se personalisa, a d�r suprema, a d�r personalisadora n�o exprime toda?... Afastemos pois, a nossa carne. Se a satisfiz�ssemos, n�o, se satisfiz�ssemos o espirito que, s� �le, atrav�s da carne atua, banalisar-nos-�amos, ao nosso drama dar�amos um final burguez! Ele teria um fim, um limite determinado de que, em breve, as nossas almas se enfartariam decerto. Sejamos est�tas, vivamos eternamente do desejo que, s� �le, personalisa a alma, para a nossa vista espiritual gigantesca tornando-a!... � estranho o meu pedido mas, acaso, estranha n�o � a Vertigem da Existencia?... Adeus!... _Luar._ _Janeiro de 1913._ RAUL LEAL. (Do livro in�dito _Devaneios e Alucina��es_.) *POEMAS* DUM AN�NIMO OU AN�NIMA QUE DIZ CHAMAR-SE VIOLANTE DE CYSNEIROS *N. B.*--Apareceram-nos na Redac��o estes belos poemas, que um an�nimo engenho doente realisou. Publicamo-los, porque disso s�o dignos, importando-nos pouco a personalidade vital de que possam emanar. Toda a obra de arte � a justifica��o de si-propria. _Orpheu_. _A ALVARO DE CAMPOS, O MESTRE._ Na noite negra e antiga Ha s� a luz do Pharol: Ora loira, c�r do sol, Ora vermelha, inimiga. No seio negro e profundo Da noite em treva dormindo O Pharol � Outro Mundo, Ora chorando, ora rindo. Na noite negra, afinal, Tudo a elle se limita: S� o pharol � real! A treva nunca tem fim, � sensa��o infinita, --Sou j� s� Pharol de Mim! _Junho, 1915._ * * * * * Toda a minh'Alma se prende Naquella forma de gra�a; Mas n�o � na forma viva Mas sim na Linha que passa. Toda a minh'Alma se prende, Bate as Asas--esvoa�a... E � como a sombra distante D'aquella Linha que passa. A vida � s� o Espa�o Que vai da propria Linha � sombra d'ella num tra�o. Quando a Morte f�r vizinha, Fundidas no mesmo Espa�o Ser� tudo a mesma Linha. _Junho, 1915._ _A ALVARO DE CAMPOS, O MESTRE._ I Para Al�m d'aquelles montes N�o ha aves, nem ha fontes, Nem ribeiros, nem campinas, Nem casaes pelas collinas. Para Al�m d'aquelles montes N�o ha segredos de fontes, Nem Sombras nas Alamedas, Nem hervas, passos ou sedas. Para Al�m d'aquelles montes J� n�o ha arcos de pontes, Nem m�os finas de donzellas, Nem lagos, barcos ou vellas. II Para Al�m d'aquelles montes Existe apenas Espa�o! Espa�o e tempo s�o Pontes Que Deus tem no seu rega�o. Pontes que ligam de Auzente Infinito e Eternidade. S� sensa��es s�o Presente, S� nellas vive a Verdade. Passado nunca passou, Futuro n�o o terei: Pois sempre Presente sou No que Fui, Sou e Serei. _Junho, 1915._ _AO SR. MARIO DE S�-CARNEIRO._ Ha pouco quando bordava Picou-me a ponta dos dedos A agulha com que bordava... E a seda toda de branca, Branca da c�r dos meus dedos, Essa seda que era branca Ficou com papoulas rubras... Que o sangue das minhas veias J� creou papoulas rubras... Mas t�o s�s e t�o alheias! _Junho, 1915._ _AO SR. FERNANDO PESSOA._ Nada em Mim � necessario Nem mesmo o que foi sonhado, � contas do meu rosario D'um sonho nunca acabado. Tudo t�o feito de Mim... S� meu longe de passado � como um sonho sem fim Que o Outro tenha sonhado. Cruso os meus bra�os. N�o fallo. Ou�o uma voz dolorida Dentro de Mim evoca-lo. Marinheiro! Ilha Perdida! E o meu sentido a sonha-lo � a verdade da vida. _Junho, 1915._ _AO SR. ALFREDO PEDRO GUISADO._ Sobre misterios j� idos Ergui-me em curva e de p� Do meu corpo fiz sentidos Num sonho de Salom�. Curvos os olhos doridos... Curvas as m�os e os bra�os... Todo o meu corpo peda�os Dos espelhos dos sentidos... Dancei... Dancei... E o Ver-Me Toda de curva e de p� Era o sentido de Ser-Me. Presente no meu olhar, Eu fui Outra Salom� Feita de Mim a dan�ar. _Junho, 1915._ _AO SR. C�RTES-RODRIGUES._ Passo no mundo a viv�-lo, Passo no mundo a senti-lo, E esta c�r do meu cabello � o v�-lo e o possu�-lo. Passo no mundo a sonh�-lo, Numa forma de viv�-lo, E o meu sentido d'olh�-lo � o sentido de v�-lo. S� em Mim me concretiso, E o Sonho da minha vida Nesse Sonho o realiso. E sempre de Mim Presente, Todo o Meu Ser se limita Em Eu Me Ser Realmente. _Junho, 1915._ _A MIM PROPRIA DE HA DOIS ANNOS_ As minhas m�os s�o esguias, S�o fusos brancos d'arminho, Onde fiaste e n�o fias O Sonho do teu carinho. As minhas m�os s�o esguias, C�r de rosa s�o as unhas, E nellas todos os dias Ponho a pomada que punhas. Quando Eu as fico polindo Perpassa nellas em ancia A tua boca sorrindo... Mas os meus dedos em i Dizem a longa distancia Que vae de Mim para Ti. _Junho, 1915._ VIOLANTE DE CYSNEIROS. *ODE MAR�TIMA* POR ALVARO DE CAMPOS a Santa Rita Pintor. *Ode mar�tima* S�zinho, no cais deserto, a esta manh� de ver�o, �lho pr� lado da barra, �lho pr� Indefinido, �lho e contenta-me v�r, Pequeno, negro e claro, um paquete entrando. Vem muito longe, n�tido, cl�ssico � sua maneira. Deixa no ar distante atr�s de si a orla v� do seu fumo. Vem entrando, e a manh� entra com �le, e no rio, Aqui, acol�, acorda a vida mar�tima, Erguem-se velas, avan�am rebocadores, Surgem barcos pequenos de tr�s dos navios que est�o no porto. Ha uma vaga brisa. Mas a minh'alma est� com o que vejo menos, Com o paquete que entra, Porque �le est� com a Dist�ncia, com a Manh�, Com o sentido mar�timo desta Hora, Com a do�ura dolorosa que sobe em mim como uma n�usea, Como um come�ar a enjoar, mas no esp�rito. �lho de longe o paquete, com uma grande independ�ncia de alma, E dentro de mim um volante come�a a girar, lentamente. Os paquetes que entram de manh� na barra Trazem aos meus olhos comsigo O mist�rio alegre e triste de quem chega e parte. Trazem mem�rias de cais afastados e doutros momentos Doutro modo da mesma humanidade noutros portos. Todo o atracar, todo o largar de navio, �--sinto-o em mim como o meu sangue-Inconscientemente simb�lico, terrivelmente Amea�ador de significa��es metaf�sicas Que perturbam em mim quem eu fui... Ah, todo o cais � uma saudade de pedra! E quando o navio larga do cais E se repara de repente que se abriu um espa�o Entre o cais e o navio, Vem-me, n�o sei porqu�, uma ang�stia recente, Uma n�voa de sentimentos de tristeza Que brilha ao sol das minhas ang�stias relvadas Como a primeira janela onde a madrugada bate, E me envolve como uma recorda��o duma outra pess�a Que f�sse misteriosamente minha. Ah, quem sabe, quem sabe, Se n�o parti outrora, antes de mim, Dum cais; se n�o deixei, navio ao sol Obl�quo da madrugada, Uma outra esp�cie de porto? Quem sabe se n�o deixei, antes de a hora Do mundo exterior como eu o vejo Raiar-se para mim, Um grande cais cheio de pouca gente, Duma grande cidade meio-desperta, Duma enorme cidade comercial, crescida, apopl�tica, Tanto quanto isso pode ser fora do Espa�o e do Tempo? Sim, dum cais, dum cais dalgum modo material, Real, vis�vel como cais, cais realmente, O Cais Absoluto por cujo mod�lo inconscientemente imitado, Insens�velmente evocado, N�s os homens constru�mos Os nossos cais nos nossos portos, Os nossos cais de pedra actual s�bre �goa verdadeira, Que depois de constru�dos se anunciam de repente Cousas-Reais, Esp�ritos-Cousas, Entidades em Pedra-Almas, A certos momentos nossos de sentimento-raiz Quando no mundo-exterior como que se abre uma porta E, sem que nada se altere, Tudo se revela diverso. Ah o Grande Cais donde partimos em Navios-Na��es! O Grande Cais Anterior, eterno e divino! De que porto? Em que �goas? E porque, penso eu isto? Grande Cais como os outros cais, mas o �nico. Cheio como �les de sil�ncios rumorosos nas antemanh�s, E desabrochando com as manh�s num ru�do de guindastes E chegadas de comboios de mercadorias, E sob a nuvem negra e ocasional e leve Do fumo das chamin�s das f�bricas pr�ximas Que lhe sombreia o ch�o preto de carv�o pequenino que brilha, Como se f�sse a sombra duma nuvem que passasse s�bre �gua sombria. Ah, que essencialidade de mist�rio e sentidos parados Em divino extase revelador �s horas c�r de sil�ncios e ang�stias N�o � ponte entre qualquer cais e O Cais! Cais negramente reflectido nas �guas paradas, Bul�cio a bordo dos navios, � alma errante e inst�vel da gente que anda embarcada, Da gente simb�lica que passa e com quem nada dura, Que quando o navio volta ao porto Ha sempre qualquer altera��o a bordo! � fugas cont�nuas, idas, ebriedade do Diverso! Alma eterna dos navegadores e das navega��es! Cascos reflectidos de vagar nas �goas, Quando o navio larga do porto! Fluctuar como alma da vida, partir como voz, Viver o momento tr�mulamente s�bre �goas eternas. Acordar para dias mais directos que os dias da Europa, V�r portos misteriosos s�bre a solid�o do mar, Virar cabos longinq�os para s�bitas vastas paisagens Por inumer�veis encostas at�nitas... Ah, as praias longinq�as, os cais vistos de longe, E depois as praias proximas, os cais vistos de perto. O mist�rio de cada ida e de cada chegada, A dolorosa instabilidade e incompreensibilidade D�ste imposs�vel universo A cada hora mar�tima mais na pr�pria pele sentido! O solu�o absurdo que as nossas almas derramam S�bre as extens�es de mares diferentes com ilhas ao longe, S�bre as ilhas longinq�as das costas deixadas passar, S�bre o crescer n�tido dos portos, com as suas casas e a sua gente, Para o navio que se aproxima. Ah, a frescura das manh�s em que se chega, E a palidez das manh�s em que se parte, Quando as nossas entranhas se arrepanham E uma vaga sensa��o parecida com um m�do --O m�do ancestral de se afastar e partir, O misterioso receio ancestral � Chegada e ao Novo-Encolhe-nos a pele e agonia-nos, E todo o nosso corpo angustiado sente, Como se f�sse a nossa alma, Uma inexplic�vel vontade de poder sentir isto doutra maneira: Uma saudade a qualquer cousa, Uma perturba��o de afei��es a que vaga patria? A que costa? a que navio? a que cais? Que se adoece em n�s o pensamento, E s� fica um grande v�cuo dentro de n�s, Uma �ca saciedade de minutos mar�timos, E uma ansiedade vaga que seria t�dio ou d�r Se soubesse como s�-lo... A manh� de ver�o est�, ainda assim, um pouco fresca. Um leve torp�r de noite anda ainda no ar sacudido. Acelera-se ligeiramente o volante dentro de mim. E o paquete vem entrando, porque deve vir entrando sem d�vida, E n�o porque eu o veja mover-se na sua dist�ncia excessiva. Na minha imagina��o �le est� j� perto e � vis�vel Em toda a extens�o das linhas das suas vigias, E treme em mim tudo, toda a carne e toda a pele, Por causa daquela criatura que nunca chega em nenhum barco E eu vim esperar hoje ao cais, por um mandado obliq�o. Os navios que entram a barra, Os navios que s�em dos portos, Os navios que passam ao longe (Sup�nho-me vendo-os duma praia deserta)-Todos �stes navios abstractos quasi na sua ida, Todos �stes navios assim com�vem-me como se f�ssem outra cousa E n�o apenas navios, navios indo e vindo. E os navios vistos de perto, mesmo que se n�o v� embarcar n�les, Vistos de baixo, dos botes, muralhas altas de chapas, Vistos dentro, atrav�s das c�maras, das salas, das dispensas, Olhando de perto os mastros, afilando-se l� pr� alto, Ro�ando pelas cordas, descendo as escadas inc�modas, Cheirando a untada mistura met�lica e mar�tima de tudo aquilo-Os navios vistos de perto s�o outra cousa e a mesma cousa, D�o a mesma saudade e a mesma �nsia doutra maneira. Toda a vida mar�tima! tudo na vida mar�tima! Insinua-se no meu sangue toda essa sedu��o fina E eu scismo indeterminadamente as viagens. Ah, as linhas das costas distantes, achatadas pelo horizonte! Ah, os cabos, as ilhas, as praias areentas! As solid�es mar�timas, como certos momentos no Pac�fico Em que n�o sei porque sugest�o aprendida na escola Se sente pesar s�bre os nervos o facto de que aquele � o maior dos oceanos E o mundo e o sab�r das cousas tornam-se um deserto dentro de n�s! A extens�o mais humana, mais salpicada, do Atl�ntico! O �ndico, o mais misterioso dos oceanos todos! O Mediterr�neo, d�ce, sem mist�rio nenhum, cl�ssico, um mar pra bater De encontro a esplanadas olhadas de jardins pr�ximos por est�tuas brancas! Todos os mares, todos os estreitos, todas as ba�as, todos os g�lfos, Queria apert�-los ao peito, sent�-los bem e morrer! E v�s, � cousas navais, meus velhos brinquedos de sonho! Componde fora de mim a minha vida interior! Quilhas, mastros e velas, rodas do leme, cordagens, Chamin�s de vapores, h�lices, g�veas, fl�mulas, Galdropes, escotilhas, caldeiras, colectores, v�lvulas, Ca� por mim dentro em mont�o, em monte, Como o conte�do confuso de uma gaveta despejada no ch�o! S�de v�s o tesouro da minha avareza febril, S�de v�s os frutos da �rvore da minha imagina��o, T�ma de cantos meus, sangue nas veias da minha intelig�ncia, Vosso seja o la�o que me une ao exterior pela est�tica, Fornecei-me met�foras, imagens, literatura, Porque em real verdade, a s�rio, literalmente, Minhas sensa��es s�o um barco de quilha pr� ar, Minha imagina��o uma �ncora meio submersa, Minha �nsia um remo partido, E a tessitura dos meus nervos uma r�de a secar na praia! S�a no acaso do rio um apito, s� um. Treme j� todo o ch�o do meu psiquismo. Acelera-se cada vez mais o volante dentro de mim. Ah, os paquetes, as viagens, o n�o-se-saber-o-paradeiro De Fulano-de-tal, mar�timo, nosso conhecido! Ah, a gl�ria de se saber que um homem que andava comnosco Morreu afogado ao p� duma ilha do Pac�fico! N�s que and�mos com �le vamos falar nisso a todos, Com um orgulho leg�timo, com uma confian�a invis�vel Em que tudo isso tenha um sentido mais belo e mais vasto Que apenas o ter-se perdido o barco onde �le ia E ele ter ido ao fundo por lhe ter entrado �goa pr�s pulm�es! Ah, os paquetes, os navios-carvoeiros, os navios de vela! V�o rareando--ai de mim!--os navios de vela nos mares! E eu, que amo a civilisa��o moderna, eu que beijo com a alma as m�quinas, Eu o engenheiro, eu o civilisado, eu o educado no estrangeiro, Gostaria de ter outra vez ao p� da minha vista s� veleiros e barcos de madeira, De n�o saber doutra vida mar�tima que a antiga vida dos mares! Porque os mares antigos s�o a Dist�ncia Absoluta, O Puro Longe, liberto do peso do Actual... E ah, como aqui tudo me lembra essa vida melhor, �sses mares, maiores, porque se navegava mais devagar. �sses mares, misteriosos, porque se sabia menos d�les. Todo o vapor ao longe � um barco de vela perto. Todo o navio distante visto agora � um navio no passado visto pr�ximo. Todos os marinheiros invis�veis a bordo dos navios no horisonte S�o os marinheiros vis�veis do tempo dos velhos navios, Da �poca lenta e veleira das navega��es perigosas, Da �poca de madeira e lona das viagens que duravam m�ses. Toma-me pouco a pouco o del�rio das cousas mar�timas, Penetram-me f�sicamente o cais e a sua atmosfera, O marulho do Tejo galga-me por cima dos sentidos, E come�o a sonhar, come�o a envolver-me do sonho das �goas, Come�am a pegar bem as correias-de-transmiss�o na minh'alma E a acelera��o do volante sacode-me n�tidamente. Chamam por mim as �goas, Chamam por mim os mares. Chamam por mim, levantando uma voz corp�rea, os longes, As �pocas mar�timas todas sentidas no passado, a chamar. Tu, marinheiro ingl�s, Jim Barns meu amigo, f�ste tu Que me ensinaste �sse grito antiq��ssimo, ingl�s, Que t�o venenosamente resume Para as almas complexas como a minha O chamamento confuso das �goas, A voz in�dita e impl�cita de todas as cousas do mar, Dos naufr�gios, das viagens longinq�as, das travessias perigosas. �sse teu grito ingl�s, tornado universal no meu sangue, Sem feitio de grito, sem forma humana nem voz, �sse grito tremendo que parece soar De dentro duma caverna cuja ab�bada � o c�u E parece narrar todas as sinistras cousas Que podem acontecer no Longe, no Mar, pela Noite... (Fingias sempre que era por uma escuna que chamavas, E dizias assim, pondo uma m�o de cada lado da b�ca, Fazendo porta-voz das grandes m�os cortidas e escuras: Ah�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�--yyyy... Schooner ah�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�--yyyy...) Escuto-te de aqui, agora, e desperto a qualquer cousa. Estremece o vento. Sobe a manh�. O calor abre. Sinto corarem-me as faces. Meus olhos conscientes dilatam-se. O extase em mim levanta-se, cresce, avan�a, E com um ru�do cego de arrua�a acentua-se O giro vivo do volante. � clamoroso chamamento A cujo calor, a cuja f�ria fervem em mim Numa unidade explosiva todas as minhas �nsias, Meus pr�prios t�dios tornados din�micos, todos!... Ap�lo lan�ado ao meu sangue Dum am�r passado, n�o sei onde, que volve E ainda tem f�r�a para me atra�r e puxar, Que ainda tem f�r�a para me fazer odiar esta vida Que passo entre a impenetrabilidade f�sica e ps�quica Da gente real com que vivo! Ah, seja como f�r, seja para onde f�r, partir! Largar por a� fora, pelas ondas, pelo perigo, pelo mar, Ir para Longe, ir para F�ra, para a Dist�ncia Abstrata, Indefinidamente, pelas noites misteriosas e fundas, Levado, como a poeira, plos ventos, plos vendavais! Ir, ir, ir, ir de vez! Todo o meu sangue raiva por asas! Todo o meu corpo atira-se pr� frente! Galgo pla minha imagina��o fora em torrentes! Atropelo-me, rujo, precipito-me!... Estoiram em espuma as minhas �nsias E a minha carne � uma onda dando de encontro a roch�dos! Pensando nisto--� raiva! pensando nisto--� f�ria! Pensando nesta estreiteza da minha vida cheia de �nsias, S�bitamente, tr�mulamente, extraorbitadamente, Com uma oscila��o viciosa, vasta, violenta, Do volante vivo da minha imagina��o, Rompe, por mim, assobiando, silvando, vertiginando, O cio sombrio e s�dico da estr�dula vida mar�tima. Eh marinheiros, gageiros! eh tripulantes, pilotos! Navegadores, mareantes, marujos, aventureiros! Eh capit�es de navios! homens ao leme e em mastros! Homens que dormem em beliches rudes! Homens que dormem co'o Perigo a espreitar plas vigias! Homens que dormem co'a Morte por travesseiro! Homens que teem tombadilhos, que teem pontes donde olhar A imensidade imensa do mar imenso! Eh manipuladores dos guindastes de carga! Eh amainadores de velas, fogueiros, criados de bordo! Homens que metem a carga nos por�es! Homens que enrolam cabos no convez! Homens que limpam os metais das escotilhas! Homens do leme! homens das m�quinas! homens dos mastros! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Gente Gente Gente Gente Limpa Audaz de bonet de pala! Gente de camisola de malha! de �ncoras e bandeiras cruzadas bordadas no peito! tatuada! gente de cachimbo! gente de amurada! escura de tanto sol, crestada de tanta chuva, de olhos de tanta imensidade diante d�les, de rosto de tantos ventos que lhes bateram a valer! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Homens que vistes a Patagonia! Homens que passastes pela Austr�lia! Que enchestes o vosso olhar de costas que nunca verei! Que f�stes a terra em terras onde nunca descerei! Que comprastes artigos t�scos em col�nias � pr�a de sert�es! E fizestes tudo isso como se n�o f�sse nada, Como se isso f�sse natural, Como se a vida f�sse isso, Como nem sequer cumprindo um destino! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Homens do mar actual! homens do mar passado! Comiss�rios de bordo! escravos das gal�s! combatentes de Lepanto! Piratas do tempo de Roma! Navegadores da Gr�cia! Fen�cios! Cartagin�ses! Portugu�ses atirados de Sagres Para a aventura indefinida, para o Mar Absoluto, para realizar o Impossivel! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Homens que erguestes padr�es, que destes nomes a cabos! Homens que negociastes pela primeira vez com pretos! Que primeiro vendestes escravos de novas terras! Que destes o primeiro espasmo europeu �s negras at�nitas! Que trouxestes ouro, missanga, madeiras cheirosas, setas, De encostas explodindo em verde vegeta��o! Homens que saqueastes tranq��las povoa��es africanas, Que fizestes fugir com o ru�do de canh�es essas ra�as, Que matastes, roubastes, torturastes, ganhastes Os pr�mios de Novidade de quem, de cabe�a baixa, Arremete contra o mist�rio de novos mares! Eh-eh-eh-eh-eh! A v�s todos num, a v�s todos em v�s todos como um, A v�s todos misturados, entrecruzados, A v�s todos sangrentos, violentos, odiados, temidos, sagrados, Eu vos sa�do, eu vos sa�do, eu vos sa�do! Eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Eh-lah�-lah�-laHO-lah�-�-�-�-�! Quero ir comv�sco, quero ir comv�sco, Ao mesmo tempo com v�s todos Pra toda a parte pr'onde f�stes! Quero encontrar vossos perigos frente a frente, Sentir na minha cara os ventos que engelharam as vossas, Cuspir dos l�bios o sal dos mares que beijaram os vossos, Ter bra�os na vossa faina, partilhar das vossas tormentas, Chegar como v�s, emfim, a extraordin�rios portos! Fugir comv�sco � civilisa��o! Perder comv�sco a no��o da moral! Sentir mudar-se no longe a minha humanidade! Beber comv�sco em mares do sul Novas selvagerias, novas balb�rdias da alma, Novos fogos centrais no meu vulc�nico esp�rito! Ir comv�sco, despir de mim--ah! p�e-te daqui pra fora!-O meu traje de civilisado, a minha brandura de ac��es, Meu m�do inato das cadeias, Minha pac�fica vida, A minha vida sentada, est�tica, regrada e revista! No mar, no mar, no mar, no mar, Eh! p�r no mar, ao vento, �s vagas, A minha vida! Salgar de espuma arremessada pelos ventos Meu paladar das grandes viagens. Fustigar de �goa chicoteante as carnes da minha aventura, Repassar de frios oce�nicos os ossos da minha exist�ncia, Flagelar, cortar, engelhar de ventos, de espumas, de soes, Meu ser cicl�nico e atl�ntico, Meus nervos postos como enx�rcias, Lira nas m�os dos ventos! Sim, sim, sim... Crucificai-me nas navega��es E as minhas esp�duas gosar�o a minha cruz! Atai-me �s viagens como a postes E a sensa��o dos postes entrar� pela minha espinha E eu passarei a senti-los num vasto espasmo passivo! Fazei o que quizerdes de mim, logo que seja nos mares, S�bre convezes, ao som de vagas, Que me rasgueis, mateis, firais! O que quero � levar pr� Morte Uma alma a transbordar de Mar, �bria a ca�r das cousas mar�timas, Tanto dos marujos como das �ncoras, dos cabos, Tanto das costas longinq�as como do ru�do dos ventos, Tanto do Longe como do Cais, tanto dos naufr�gios Como dos tranq��los com�rcios, Tanto dos mastros como das vagas, Levar pr� Morte com d�r, voluptuosamente, Um corpo cheio de sanguesugas, a sugar, a sugar, De estranhas verdes absurdas sanguesugas mar�timas! Fa�am enx�rcias das minhas veias! Amarras dos meus m�sculos! Arranquem-me a pele, pr�guem-a �s quilhas. E possa eu sentir a d�r dos pregos e nunca deixar de sentir! Fa�am do meu cora��o uma fl�mula de almirante Na hora de guerra dos velhos navios! C�lquem aos p�s nos convezes meus olhos arrancados! Quebrem-me os ossos de encontro �s amuradas! Fust�guem-me atado aos mastros, fust�guem-me! A todos os ventos de todas as latitudes e longitudes Derramem meu sangue s�bre as �goas arremessadas Que atravessam o navio, o tombadilho, de lado a lado, Nas vascas bravas das tormentas! Ter a aud�cia ao vento dos panos das velas! Ser, como as g�veas altas, o assobio dos ventos! A velha guitarra do Fado dos mares cheios de perigos, Can��o para os navegadores ouvirem e n�o repetirem! Os marinheiros que se sublevaram Enforcaram o capit�o numa v�rga. Desembarcaram um outro numa ilha deserta. _Marooned!_ O sol dos tr�picos poz a febre da pirataria antiga Nas minhas veias intensivas. Os ventos da Patagonia tatuaram a minha imagina��o De imagens tr�gicas e obscenas. F�go, f�go, f�go, dentro de mim! Sangue! sangue! sangue! sangue! Explode todo o meu c�rebro! Parte-se-me o mundo em vermelho! Estoiram-me com o som de amarras as veias! E estala em mim, feroz, voraz, A can��o do Grande Pirata, A morte berrada do Grande Pirata a cantar At� meter pav�r plas espinhas dos seus homens abaixo. L� da r� a morrer, e a berrar, a cantar: _Fifteen men on the Dead Man's Chest._ _Yo-ho-ho and a bottle of rum!_ E depois a gritar, numa voz j� irreal, a estoirar no ar: _Darby M'Graw-aw-aw-aw-aw!_ _Darby M'Graw-aw-aw-aw-aw-aw-aw-aw!_ _Fetch a-a-aft the ru-u-u-u-u-u-u-u-u-um, Darby!_ Eia, que vida essa! essa era a vida, eia! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Eh-lah�-lah�-laHO-lah�-�-�-�-�! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Quilhas partidas, navios ao fundo, sangue nos mares! Convezes cheios de sangue, fragmentos de corpos! Dedos decepados s�bre amuradas! Cabe�as de crean�as, aqui, acol�! Gente de olhos fora, a gritar, a uivar! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Embrulho-me em tudo isto como numa capa no frio! Ro�o-me por tudo isto como um gata com cio por um muro! Rujo como um le�o faminto para tudo isto! Arremeto como um touro louco s�bre tudo isto! Cravo unhas, parto garras, sangro dos dentes s�bre isto! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! De repente estala-me s�bre os ouvidos Como um clarim a meu lado, O velho grito, mas agora irado, met�lico, Chamando a presa que se avista, A escuna que vai ser tomada: Ah�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�--yyyy... Schooner ah�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�--yyyy... O mundo inteiro n�o existe para mim! Ardo vermelho! Rujo na f�ria da abordagem! Pirata-m�r! C�sar-Pirata! Pilho, mato, esfacelo, rasgo! S� sinto o mar, a presa, o saque! S� sinto em mim bater, baterem-me As veias das minhas fontes! Escorre sangue quente a minha sensa��o dos meus olhos! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Ah piratas, piratas, piratas! Piratas, amai-me e odiai-me! Misturai-me comv�sco, piratas! Vossa f�ria, vossa crueldade como falam ao sangue Dum corpo de mulher que foi meu outrora e cujo cio sobrevive! Eu queria ser um bicho representativo de todos os vossos gestos, Um bicho que cravasse dentes nas amuradas, nas quilhas, Que comesse mastros, bebesse sangue e alcatr�o nos convezes, Trincasse velas, remos, cord�me e pole�me, Serpente do mar feminina e monstruosa cevando-se nos crimes! E ha uma sinfonia de sensa��es incompat�veis e an�logas, Ha uma orquestra��o no meu sangue de balb�rdias de crimes, De estr�pitos espasmados de orgias de sangue nos mares, Furibundamente, como um vendaval de calor pelo esp�rito, N�vem de poeira quente anuviando a minha lucidez E fazendo-me ver e sonhar isto tudo s� com a pele e as veias! Os piratas, a pirataria, os barcos, a hora, Aquela hora mar�tima em que as presas s�o assaltadas, E o terror dos apresados foge pr� loucura--essa hora, No seu total de crimes, terror, barcos, gente, mar, c�u, n�vens, Brisa, latitude, longitude, vozearia, Queria eu que f�sse em seu Todo meu corpo em seu Todo, sofrendo, Que f�sse meu corpo e meu sangue, compozesse meu ser em vermelho, Florescesse como uma ferida comichando na carne irreal da minha alma! Ah, Dos Ser Ser Ser Ea ser tudo nos crimes! ser todos os elementos componentes assaltos aos barcos e das chacinas e das viola��es! quanto foi no lugar dos saques! quanto viveu ou jazeu no local das trag�dias de sangue! o pirata-resumo de toda a pirataria no seu auge, v�tima-s�ntese, mas de carne e �sso, de todos os piratas do mundo! Ser no meu corpo passivo a mulher-todas-as-mulheres Que f�ram violadas, mortas, feridas, rasgadas plos piratas! Ser no meu ser subjugado a f�mea que tem de ser d�les! E sentir tudo isso--todas estas cousas duma s� vez--pela espinha! � meus peludos e rudes herois da aventura e do crime! Minhas mar�timas feras, maridos da minha imagina��o! Amantes casuais da obliq��dade das minhas sensa��es! Queria ser Aquela que vos esperasse nos portos, A v�s, odiados amados do seu sangue de pirata nos sonhos! Porque ela teria comv�sco, mas s� em esp�rito, raivado S�bre os cad�veres nus das v�timas que fazeis no mar! Porque ela teria acompanhado vosso crime, e na orgia oce�nica Seu esp�rito de bruxa dan�aria invis�vel em volta dos gestos Dos vossos corpos, dos vossos cutelos, das vossas m�os estranguladoras! E ela em terra, esperando-vos, quando vi�sseis, se acaso vi�sseis, Iria beber nos rugidos do vosso am�r todo o vasto, Todo o nevoento e sinistro perfume das vossas vit�rias, E atrav�s dos vossos espasmos silvaria um sabbat de vermelho e amarelo! A carne rasgada, a carne aberta e estripada, o sangue correndo! Agora, no auge conciso de sonhar o que v�s faz�eis, Perco-me todo de mim, j� n�o vos perten�o, sou v�s, A minha femininidade que vos acompanha � ser as vossas almas! Estar por dentro de toda a vossa ferocidade, quando a pratic�veis! Sugar por dentro a vossa consci�ncia das vossas sensa��es Quando ting�eis de sangue os mares altos, Quando de vez em quando atir�veis aos tubar�es Os corpos vivos ainda dos feridos, a carne rosada das crean�as E lev�veis as m�is �s amuradas para v�rem o que lhes acontecia! Estar comv�sco na carn�gem, na pilh�gem! Estar orquestrado comv�sco na sinfonia dos saques! Ah, n�o sei qu�, n�o sei quanto queria eu ser de v�s! N�o era s� s�r-vos a f�mea, s�r-vos as f�meas, s�r-vos as v�timas, S�r-vos as v�timas--homens, mulheres, crean�as, navios--, N�o era s� ser a hora e os barcos e as ondas, N�o era s� ser vossas almas, vossos corpos, vossa f�ria, vossa posse, N�o era s� ser concretamente vosso acto abstrato de orgia, N�o era s� isto que eu queria ser--era mais que isto, o Deus-isto! Era preciso ser Deus, o Deus dum culto ao contr�rio, Um Deus monstruoso e sat�nico, um Deus dum pantheismo de sangue, Para poder encher toda a medida da minha f�ria imaginativa, Para poder nunca esgotar os meus desejos de identidade Com o cada, e o tudo, e o mais-que-tudo das vossas vit�rias! Ah, torturai-me para me curardes! Minha carne--fazei dela o ar que os vossos cutelos atravessam Antes de ca�rem s�bre as cabe�as e os ombros! Minhas veias sejam os fatos que as facas trespassam! Minha imagina��o o corpo das mulheres que violais! Minha intelig�ncia o convez onde estais de p� matando! Minha vida toda, no seu conjunto nervoso, hist�rico, absurdo, O grande organismo de que cada acto de pirataria que se cometeu F�sse uma c�lula consciente--e todo eu turbilhonasse Como uma imensa podrid�o ondeando, e f�sse aquilo tudo! Com tal velocidade desmedida, pavorosa, A m�quina de febre das minhas vis�es transbordantes Gira agora que a minha consci�ncia, volante, � apenas um nevoento c�rculo assobiando no ar. _Fifteen men on the Dead Man's Chest._ _Yo-ho-ho and a bottle of rum!_ Eh-lah�-lah�-laHO--lah�-�-���--���... Ah! a selvageria desta selvageria! Merda Pra toda a vida como a nossa, que n�o � nada disto! Eu pr'�qui engenheiro, pr�tico � forca, sens�vel a tudo, Pr'�qui parado, em rela��o a v�s, mesmo quando ando; Mesmo quando ajo, inerte; mesmo quando me imponho, d�bil; Est�tico, quebrado, dissidente cobarde da vossa Gloria, Da vossa grande din�mica estridente, quente e sangrenta! Arre! por n�o poder agir d'ac�rdo com o meu del�rio! Arre! por andar sempre agarrado �s saias da civilisa��o! Por andar com a _douceur des moeurs_ �s costas, como um fardo de rendas! M��os de esquina--todos n�s o s�mos--do humanitarismo moderno! Estupores de t�sicos, de neurast�nicos, de linf�ticos, Sem coragem para ser gente com viol�ncia e aud�cia, Com a alma como uma galinha presa por uma perna! Ah, os piratas! os piratas! A �nsia do ilegal unido ao feroz A �ncia das cousas absolutamente crueis e abomin�veis, Que roe como um cio abstrato os nossos corpos franzinos, Os nossos nervos femininos e delicados, E p�e grandes febres loucas nos nossos olhares vasios! Obrigai-me a ajoelhar diante de v�s! Humilhai-me e batei-me! Fazei de mim o vosso escravo e a vossa cousa! E que o vosso desprezo por mim nunca me abandone, � meus senhores! � meus senhores! Tomar sempre gloriosamente a parte submissa Nos acontecimentos de sangue e nas sensualidades estiradas! Desabai s�bre mim, como grandes muros pesados, � b�rbaros do antigo mar! Rasgai-me e feri-me! De leste a oeste do meu corpo Riscai de sangue a minha carne! Beijai com cutelos de bordo e a�oites e raiva O meu alegre terror carnal de vos pertencer, A minha �ncia mas�quista em me dar � vossa f�ria, Em ser objecto inerte e sentiente da vossa omn�vora crueldade, Dominadores, senhores, imperadores, corc�is! Ah, torturai-me, Rasgai-me e abri-me! Desfeito em peda�os conscientes Entornai-me s�bre os convezes, Espalhai-me nos mares, deixai-me Nas praias �vidas das ilhas! Cevai s�bre mim todo o meu misticismo de v�s! Cinzelai a sangue a minh'alma! Cortai, riscai! � tatuadores da minha imagina��o corp�rea! Esfoladores amados da minha carnal submiss�o! Submetei-me como quem mata um c�o a pontap�s! Fazei de mim o p��o para o vosso desprezo de dom�nio! Fazei de mim as vossas v�timas todas! Como Cristo sofreu por todos os homens, quero sofrer Por todas as vossas v�timas �s vossas m�os, �s vossas m�os calosas, sangrentas e de dedos decepados Nos assaltos bruscos de amuradas! Fazei de mim qualquer cousa como se eu f�sse Arrastado--� prazer, � beijada d�r!-Arrastado � cauda de cavalos chicoteados por v�s... Mas isto no mar, isto no ma-a-a-ar, isto no *MA-A-A-AR!* Eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! *EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH! No MA-A-A-A-AR!* Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Grita tudo! tudo a gritar! ventos, vagas, barcos, Mares, g�veas, piratas, a minha alma, o sangue, e o ar, e o ar! Eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! Tudo canta a gritar! *FIFTEEN MEN ON THE DEAD MAN'S CHEST.* *YO-HO-HO AND A BOTTLE OF RUM!* Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! H�-lah�-lah�-laHO-O-O-��-lah�-�-�--���! *AH�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�--yyy!...* *SCHOONER AH�-�-�-�-�-�-�-�-�-�----yyyy!...* Darby M'Graw-aw-aw-aw-aw-aw! DARBY M'GRAW-AW-AW-AW-AW-AW-AW! FETCH A-A-AFT THE RU-U-U-U-U-UM, DARBY! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH! EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH EH EH-EH! *EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!* *EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!* Parte-se em mim qualquer cousa. O vermelho anoiteceu. Senti de mais para poder continuar a sentir. Esgotou-se-me a alma, ficou s� um �co dentro de mim. Decresce sens�velmente a velocidade do volante. Tiram-me um pouco as m�os dos olhos os meus sonhos. Dentro de mim ha s� um v�cuo, um deserto, um mar nocturno. E logo que sinto que ha um mar nocturno dentro de mim, Sobe dos longes d�le, nasce do seu sil�ncio, Outra vez, outra vez, o vasto grito antiq��ssimo. De repente, como um rel�mpago de som, que n�o faz barulho mas ternura, S�bitamente abrangendo todo o horizonte mar�timo H�mido e sombrio marulho humano nocturno, Voz de sereia longinq�a chorando, chamando, Vem do fundo do Longe, do fundo do Mar, da alma dos Abismos, E � tona d�le, como algas, boiam meus sonhos desfeitos... Ah�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�--yy... Schooner ah�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�----yy...... Ah, o orvalho sobre a minha excita��o! O fresc�r nocturno no meu oceano interior! Eis tudo em mim de repente ante uma noite no mar Cheia do enorme misterio humanissimo das ondas nocturnas. A lua sobe no horizonte E a minha infancia feliz acorda, como uma l�grima, em mim. O meu passado ressurge, como se esse grito mar�timo F�sse um ar�ma, uma voz, o eco duma can��o Que f�sse chamar ao meu passado Por aquela felicidade que nunca mais tornarei a ter. Era na velha casa socegada, ao p� do rio... (As janelas do meu quarto, e as da casa de jantar tambem, Davam, por sobre umas casas baixas, para o rio proximo, Para o Tejo, este mesmo Tejo, mas noutro ponto, mais abaixo... Se eu agora chegasse �s mesmas janelas n�o chegava �s mesmas janelas. Aqu�le tempo passou como o fumo dum vap�r no mar alto...) Uma inexplicavel ternura, Um remorso comovido e lacrimoso, Por todas aqu�las victimas--principalmente as crian�as-Que sonhei fazendo ao sonhar-me pirata antigo, Emo��o comovida, porque elas f�ram minhas victimas; Terna e suave, porque n�o o f�ram realmente; Uma ternura confusa, como um vidro embaciado, azulada, Canta velhas can��es na minha pobre alma dolorida. Ah, como pude eu pensar, sonhar aquelas cousas? Que longe estou do que fui ha uns momentos! Hister�a das sensa��es--ora estas, ora as apostas! Na loura manh� que se ergue, como o meu ouvido s� escolhe As cousas de ac�rdo com esta emo��o--o marulho das �goas, O marulho leve das �goas do rio de encontro ao cais..., A vela passando perto do outro lado do rio, Os montes longinquos, dum azul japonez, As casas de Almada, E o que ha de suavidade e de infancia na hora matutina!... Uma gaivota que passa, E a minha ternura � maior. Mas todo este tempo n�o estive a reparar para nada. Tudo isto foi uma impress�o s� da pele, como uma caricia. Todo este tempo n�o tirei os olhos do meu sonho longinquo, Da minha casa ao p� do rio, Da minha infancia ao p� do rio, Das janelas do meu quarto dando para o rio de noite, E a paz do luar esparso nas �goas!... Minha velha tia, que me amava por causa do filho que perdeu..., Minha velha tia costumava adormecer-me cantando-me (Se bem que eu f�sse j� crescido de mais para isso)... Lembro-me e as l�grimas c�em sobre o meu cora��o e lavam-o da vida, E ergue-se uma leve brisa maritima dentro de mim. �s vezes ela cantava a �Nau Catrin�ta�: _L� vai a Nau Catrin�ta_ _Por sobre as �goas do mar..._ E outras vezes, numa melodia muito saudosa e t�o medieval, Era a �Bela Infanta�... Relembro, e a pobre velha voz ergue-se dentro de mim E lembra-me que pouco me lembrei dela depois, e ela amava-me tanto! Como fui ingrato para ela--e afinal que fiz eu da vida? Era a �Bela Infanta�... Eu fechava os olhos, e ela cantava: _Estando a Bela Infanta_ _No seu jardim assentada..._ Eu abria um pouco os olhos e via a janela cheia de luar E depois fechava os olhos outra vez, e em tudo isto era feliz. _Estando a Bela Infanta_ _No seu jardim assentada,_ _Seu pente de ouro na m�o,_ _Seus cabelos penteava..._ � meu passado de infancia, boneco que me partiram! N�o poder viajar pra o passado, para aquela casa e aquela afei��o, E ficar l� sempre, sempre crian�a e sempre contente! Mas tudo isto foi o Passado, lanterna a uma esquina de rua velha. Pensar nisto faz frio, faz fome duma cousa que se n�o pode obter. D�-me n�o sei que remorso absurdo pensar nisto. Oh turbilh�o lento de sensa��es desencontradas! Vertigem tenue de confusas causas na alma! Furias partidas, ternuras como carrinhos de linha com que as crian�as brincam, Grandes desabamentos de imagina��o sobre os olhos dos sentidos, L�grimas, l�grimas inuteis, Leves brisas de contradic��o ro�ando pela face a alma... Evoco, por um esfor�o voluntario, para sahir desta emo��o, Evoco, com um esfor�o desesperado, s�co, nulo, A can��o do Grande Pirata, quando estava a morrer: _Fifteen men on The Dead Man's Chest._ _Yo-ho-ho and a bottle of rum!_ Mas a can��o � uma linha recta mal tra�ada dentro de mim... Esfor�o-me e consigo chamar outra vez ante os meus olhos na alma, Outra vez, mas atravez duma imagina��o quasi literaria, A furia da pirataria, da chacina, o apetite, quasi do paladar, do saque, Da chacina inutil de mulheres e de crian�as, Da tortura futil, e s� para nos distrairmos, dos passageiros pobres, E a sensualidade de escangalhar e partir as cousas mais queridas dos outros, Mas sonho isto tudo com um m�do de qualquer cousa a respirar-me sobre a nuca. Lembro-me de que seria interessante Enforcar os filhos � vista das m�es (Mas sinto-me sem querer as m�es d�les), Enterrar vivas nas ilhas desertas as crian�as de quatro anos Levando os pais em barcos at� l� para v�rem (Mas estreme�o, lembrando-me dum filho que n�o tenho e est� dormindo tranquilo em casa). Aguilh�o uma ansia fria dos crimes maritimos, Duma inquisi��o sem a desculpa da F�, Crimes nem sequer com raz�o de ser de maldade e de f�ria, Feitos a frio, nem sequer para ferir, nem sequer para fazer mal, Nem sequer para nos divertirmos, mas apenas para passar o tempo, Como quem faz paciencias a uma mesa de jantar de provincia com a toalha atirada pra o outro lado da mesa depois de jantar, S� pelo suave gosto de cometer crimes abominaveis e n�o os achar grande cousa, De ver sofrer at� ao ponto da loucura e da morte-pela-d�r mas nunca deixar chegar l�... Mas a minha imagina��o recusa-se a acompanhar-me. Um calafrio arrepia-me. E de repente, mais de repente do que da outra vez, de mais longe, de mais fundo, De repente--oh pavor por todas as minhas veias!--, Oh frio repentino da porta para o Mist�rio que se abriu dentro de mim e deixou entrar uma corrente de ar! Lembro-me de Deus, do Transcendental da vida, e de repente A velha voz do marinheiro inglez Jim Barns, com quem eu falava, Tornada voz das ternuras misteriosas dentro de mim, das pequenas cousas de rega�o de m�e e de fita de cabelo de irm�, Mas estupendamente vinda de al�m da apar�ncia das cousas, A Voz surda e remota tornada A Voz Absoluta, a Voz Sem B�ca, Vinda de sobre e de dentro da solid�o nocturna dos mares, Chama por mim, chama por mim, chama por mim... Vem surdamente, como se f�sse suprimida e se ouvisse, Longinquamente, como se estivesse soando noutro logar e aqui n�o se pudesse ouvir, Como um solu�o abafado, uma luz que se apaga, um halito silencioso, De nenhum lado do espa�o, de nenhum local no tempo, O grito eterno e noturno, o s�pro fundo e confuso: Ah�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�--yyy...... Ah�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�----yyy...... Schooner ah�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�-�------yyy......... Tremo com um frio da alma repassando-me o corpo E abro de repente os olhos, que n�o tinha fechado. Ah, que alegria a de sa�r dos sonhos de vez! Eis outra vez o mundo real, t�o bondoso para os n�rvos! Ei-lo a esta hora matutina em que entram os paqu�tes que chegam c�do. J� n�o me importa o paqu�te que entrava. Ainda est� longe. S� o que est� perto agora me lava a alma. A minha imagina��o higienica, forte, pr�tica, Preocupa-se agora apenas com as cousas modernas e uteis, Com os navios de carga, com os paqu�tes e os passageiros, Com as fortes cousas imediatas, modernas, comerciais, verdadeiras. Abranda o seu giro dentro de mim o volante. Maravilhosa vida maritima moderna, Toda limpeza, maquinas e sa�de! Tudo t�o bem arranjado, t�o expontaneamente ajustado, Todas as pe�as das maquinas, todos os navios pelos mares, Todos os elementos da actividade comercial de exporta��o e importa��o T�o maravilhosamente combinando-se Que corre tudo como se f�sse por leis naturais, Nenhuma cousa esbarrando com outra! Nada perdeu a poesia. E agora ha a mais as maquinas Com a sua poesia tambem, e todo o novo genero de vida Comercial, mundana, intelectual, sentimental, Que a era das maquinas veiu trazer para as almas. As viagens agora s�o t�o belas como eram dantes E um navio ser� sempre belo, s� porque � um navio. Viajar ainda � viajar e o longe est� sempre onde esteve-Em parte nenhuma, gra�as a Deus! Os portos cheios de vapores de muitas especies! Pequenos, grandes, de varias c�res, com varias disposi��es de vigias, De t�o deliciosamente tantas companhias de navega��o! Vap�res nos portos, t�o individuais na separa��o destacada dos ancoramentos! T�o prasenteiro o seu garbo quieto de cousas comerciais que andam no mar, No velho mar sempre o homerico, � Ulisses! O olhar humanitario dos far�is na dist�ncia da noite, Ou o subito farol proximo na noite muito escura (�Que perto da terra que estavamos passando!� E o som da agua canta-nos ao ouvido)!... Tudo isto hoje � como sempre foi, mas ha o comercio; E o destino comercial dos grandes vap�res Envaidece-me da minha epoca! A mistura de gente a bordo dos navios de passageiros D�-me o orgulho moderno de viver numa epoca onde � t�o facil Misturarem-se as ra�as, transp�rem-se os espa�os, v�r com facilidade todas as cousas, E gosar a vida realisando um grande numero de sonhos. Limpos, regulares, modernos como um escrit�rio com guichets em r�des de arame amarelo, Meus sentimentos agora, naturais e comedidos como gentlemen, S�o pr�ticos, longe de desvairamentos, enchem de ar mar�timo os pulm�es, Como gente perfeitamente consciente de como � higienico respirar o ar do mar. O dia � perfeitamente j� de horas de trabalho. Come�a tudo a movimentar-se, a regularisar-se. Com um grande prazer natural e directo percorro com a alma Todas as opera��es comerciaes necessarias a um embarque de mercadorias. A minha �poca � o carimbo que levam todas as facturas, E sinto que todas as cartas de todos os escrit�rios Deviam ser endere�adas a mim. Um conhecimento de bordo tem tanta individualidade, E uma assinatura de comandante de navio � t�o bela e moderna! Rig�r comercial do principio e do fim das cartas: Dear Sirs--Messieurs--Amigos e Snrs, Yours faithfully--... nos salutations empress�es... Tudo isto � n�o s� humano e limpo, mas tamb�m belo, E tem ao fim um destino maritimo, um vap�r onde embarquem As mercadorias de que as cartas e as facturas tratam. Complexidade da vida! As facturas s�o feitas por gente Que tem amores, odios, paix�es politicas, �s vezes crimes-E s�o t�o bem escritas, t�o alinhadas, t�o independentes de tudo isso! Ha quem olhe para uma factura e n�o sinta isto. Com certeza que tu, Cesario Verde, o sentias. Eu � at� �s lagrimas que o sinto humanissimamente. Venham dizer-me que n�o ha poesia no comercio, nos escrit�rios! Ora, ela entra por todos os p�ros... Neste ar maritimo respiro-a, Porque tudo isto vem a proposito dos vap�res, da navega��o moderna, Porque as facturas e as cartas comerciaes s�o o principio da historia E os navios que levam as mercadorias pelo mar eterno s�o o fim. Ah, e as viagens, as viagens de recreio, e as outras, As viagens por mar, onde todos somos companheiros dos outros Duma maneira especial, como se um misterio maritimo Nos aproximasse as almas e nos tornasse um momento Patriotas transitorios duma mesma patria incerta, Eternamente deslocando-se sobre a imensidade das �goas! Grandes hoteis do Infinito, oh transatlanticos meus! Com o cosmopolitismo perfeito e total de nunca pararem num ponto E conterem todas as especies de trajes, de caras, de ra�as! As viagens, os viajantes--tantas especies d�les! Tanta nacionalidade sobre o mundo! tanta profiss�o! tanta gente! Tanto destino diverso que se p�de dar � vida, � vida, afinal, no fundo sempre, sempre a mesma! Tantas caras curiosas! Todas as caras s�o curiosas E nada traz tanta religiosidade como olhar muito para gente. A fraternidade afinal n�o � uma id�a revolucionaria. � uma cousa que a gente aprende pela vida f�ra, onde tem que tolerar tudo, E passa a achar gra�a ao que tem que tolerar, E acaba quasi a chorar de ternura sobre o que tolerou! Ah, tudo isto � belo, tudo isto � humano e anda ligado Aos sentimentos humanos, t�o conviventes e burguezes, T�o complicadamente simples, t�o metafisicamente tristes! A vida flutuante, diversa, acaba por nos educar no humano. Pobre gente! pobre gente toda a gente! Despe�o-me desta hora no corpo deste outro navio Que vai agora sa�ndo. � um tramp-steamer ingl�s, Muito sujo, como se fosse um navio franc�s, Com um ar simpatico de proletario dos mares, E sem duvida anunciado ontem na �ltima p�gina das gazetas. Enternece-me o pobre vap�r, t�o humilde vai �le e t�o natural. Parece ter um certo escrupulo n�o sei em qu�, ser pessoa honesta, Cumpridora duma qualquer especie de deveres. L� vai �le deixando o lugar defronte do cais onde estou. L� vai �le tranquilamente, passando por onde as naus estiveram Outrora, outrora... Para Cardiff? Para Liverpool? Para Londres? N�o tem importancia. Ele faz o seu dever. Assim fa�amos n�s o nosso. Bela vida! Boa viagem! Boa viagem! Boa viagem, meu pobre amigo casual, que me fizeste o fav�r De levar comtigo a febre e a tristeza dos meus sonhos, E restituir-me � vida para olhar para ti e te ver passar. Boa viagem! Boa viagem! A vida � isto... Que aprumo t�o natural, t�o inevitavelmente matutino Na tua sa�da do porto de Lisboa, hoje! Tenho-te uma afei��o curiosa e grata por isso... Por isso qu�? Sei l� o que �!... Vai... Passa... Com um ligeiro estremecimento, (T-t--t---t----t-----t...) O volante dentro de mim p�ra. Passa, lento vap�r, passa e n�o fiques... Passa de mim, passa da minha vista, Vai-te de dentro do meu cora��o, Perde-te no Longe, no Longe, bruma de Deus, Perde-te, segue o teu destino e deixa-me... Eu quem sou para que chore e interrogue? Eu quem sou para que te fale e te ame? Eu quem sou para que me perturbe v�r-te? Larga do cais, cresce o sol, ergue-se ouro, Luzem os telhados dos edificios do cais, Todo o lado de c� da cidade brilha... Parte, deixa-me, torna-te Primeiro o navio a meio do rio, destacado e nitido, Depois o navio a caminho da barra, pequeno e preto, Depois ponto vago no horizonte (� minha angustia!), Ponto cada vez mais vago no horizonte..., Nada depois, e s� eu e a minha tristeza, E a grande cidade agora cheia de sol E a hora real e nua como um cais j� sem navios, E o giro lento do guindaste que como um compasso que gira, Tra�a um semicirculo de n�o sei que emo��o No silencio comovido da minh'alma... ALVARO DE CAMPOS, _Engenheiro._ [Nota do Transcritor: Aqui surge a fotograva��o de _Hors Texte_ de Santa Rita Pintor.] *SANTA RITA PINTOR.* PARIS ANNO 1913. Syntese geometral de uma cabe�a--infinito plastico de ambiente-transcendentalismo phisico. _(SENSIBILIDADE RADIOGRAPHICA.)_ _LU�S DE MONTALV�R_ *NARCISO* POEMA a Fernando Pess�a. *NARCISO* Erram no oiro da tarde as sombras de estas ninfas! E at� onde ir� o aroma dos seus gestos que sei tentam prender meus olhos que, funestos, sonham um esplendor fatal de pedrarias? Tarde de tenta��o! Que estranhas melodias inquietam o ceo de um rumor ignorado? Seringe! Tua flauta arrosa de encantado e sangue de Ilus�o esta tarde em demencia que a legenda recorda; e da immortal essencia do sonho esta hora antiga exhuma o velho idilio. Ha m�os de festa e sonho em meu deserto exilio! A Beleza � pra mim, � ninfas! o segredo com que Deus me vestiu de Lindo!... Ai, tenho medo de morrer o que sou �s m�os desse desejo das ninfas; mas est� a sombra que n�o vejo depois e antes de mim e, se afundo o olhar na ancia de me ver, s� me vejo ao collo da Distancia! Deixai dormir um pouco o ceo nos olhos meus, eu n�o os quero abrir antes que os feche,--Deus!-Ninfas! v�s penteais o pavor � janella da minha alma atravez a hora sombria e bella. Cor�as n�o ser�o sobre mim as de fl�res que desfolhais, mas brancos bra�os de am�res que abrem nocturnamente e num paiz sem dia... Sois o sonho de mim ao collo da Alegria! Vossa presen�a p�e o medo em meu destino. As ta�as que entornais do aroma sibillino da seduc��o, de t�dio enchem o que me d�ste, � Deus! Gela meu ser ao sorriso terrest'e das virgens, que reflecte a tarde a rescender do olor de Pan! ... E o olhar d�e por no o esconder do ceo; pois para toda a alma dormir, do bello, o serafico azul � como um pezad�lo! Por�m como fugir ao sonho que me faz como estrangeiro em mim; do bello azul, voraz a b�ca triste, sem c�r e de humanas d�res-como se triunfal e de palidas fl�res da noite, f�ssem de um sonho, na hora escultado? Captivo em mim sou como o drag�o que, inviolado, bebe a scintilla��o da s'nora claridade do cabello sinistro, onde a luz arde e invade de metalico hallor o nixo onde se acoite... Vossos cabellos ai! chovem como oiro, � noite! como fios de horror da teia do mist�rio... Do cabello, o esplendor do oiro esteril, � a�rio c'mo de arachnideo sonho ou de siderio tecto cinzelado no olhar--um reflexo de insecto-no frio v�o num ar de somno e oiro e luto... Avalanches de t�dio em seu cabello escuto!... ......................... ......................... Fixo a carne, spectral, como ante inerte frizo de sombras, a nudez, linha esquecida em riso sobre chammas, cruel,--Joia dos calafrios!-Um horror de �nix n�va entre os meus dedos frios! Contemplo o meu destino em mim. Ninfas, adeus! Meus gestos irreaes tem seculos de Deus! Na paisagem do ser corre um rio sem fim: Os meus gestos s�o como a outra margem de mim... Cai alma no jardim dos meus sonhos funestos. � sempre noite l� no fundo dos meus gestos onde espreita Deus: ha luar nas minhas m�os... As m�os abanam no ar os nossos gestos v�os, --mundos de sonolencia ardendo em reliquarios: Joias celestes, v�s, meus gestos solitarios! Por mim divaga o ceo. E morre um diad�ma � minha fronte triste e pensativa, embl�ma da alma palida como um velho p�lio ou ouro... Comtudo que torpor me encosta ao sorvedouro c'mo esfinge que se inclina ao abysmo e debru�a, a mirar a alma, irm� de um sonho que solu�a? � que um gesto sem nome em minha alma se aclara, e no Jardim de Deus sou a ideia mais rara! Meus gestos v�o como esta agua sempre correndo pra a foz do nada; encosto a minha alma, tremendo, � voz da agua--cristal sonoro do alhear-me!-No novelo de mim a minha ancia a enredar-me. � agua sempre triste em seu ir pela parte da terra que � livida e c'mo alma que se farte de sonhos! N�o ser� a minha sombra ausente um ar vosso--ou serei a imagem da corrente? Quem descesse o mist�rio e visse a semelhan�a nesse intimo torpor das cousas, onde cansa essa fuga do tempo em sombra reflectida... Eu nunca terei dois gestos irm�os na vida, e se olhasse pra traz t'ria medo de mim... (Inter-lunio de n�s no sonho d'al�m-fim...) O que me reflectir roubar� meu segredo. O tempo escorre por n�s como alguem com medo por sobre um muro... Crio olhos de ser distante... Na alma porei as m�os como por um quadrante... As m�os s�o tempo... e tudo � um somno de si... Miro-me, e n�o serei a sombra onde me v�?... � espelho sem hora! � agua em somno, lustral, --espelho horizontal de t�dio c'mo um canal sem ter fundo nem fim. Meu perfil sua d�r! S� me reflicto e n�o me vejo no torpor da agua que abana o tempo... ai, o tempo � a voz com que se acorda o medo--escultura de n�s na distancia... Em rumor, na agua, vago demencia e durmo de Beleza ao collo da Aparencia, que foge como esta agua e este tempo a correr... Marulhar de mim no fundo do meu ser... S� as m�os sabem ter o ar de sonhos contin'os... Ai! Se o olhar cai nas m�os, desenham-se destinos como arabescos... Abro os bra�os, mas em v�o, e ergo-me de mim com vestes de como��o! Resta-me contemplar pela noite que inundo de mim, pendido sobre a aparencia do mundo. Minha sombra exilada esculto-a na do�ura! Perturbo-me de Deus nos bra�os da Ternura! Sinto que a minha voz j� atravessou Deus!... Cres�o sobre mim, � noite em delirio! Adeus! Imagem de ser bello �s m�os da minha infancia. Sou echo de rumor quebrado na distancia. Alma da noite antiga incendiada a lavores! LU�S DE MONTALV�R. [Nota do Transcritor: Aqui surge a fotograva��o de _Hors Texte_ de Santa Rita Pintor.] *SANTA RITA PINTOR.* PARIS ANNO 1912. Decomposi��o dynamica de uma mesa--estylo do movimento. _(INTERSECCIONISMO PLASTICO.)_ *CHUVA OBL�QUA* POEMAS INTERSECCIONISTAS DE FERNANDO PESSOA *Chuva obliqua* *I* Atravessa esta paysagem o meu sonho d'um porto infinito E a c�r das fl�res � transparente de as velas de grandes navios Que largam do caes arrastando nas aguas por sombra Os vultos ao sol d'aquellas arvores antigas... O porto que sonho � sombrio e pallido E esta paysagem � cheia de sol d'este lado... Mas no meu espirito o sol d'este dia � porto sombrio E os navios que sahem do porto s�o estas arvores ao sol... Liberto em duplo, abandonei-me da paysagem abaixo... O vulto do caes � a estrada nitida e calma Que se levanta e se ergue como um muro, E os navios passam por dentro dos troncos das arvores Com uma horizontalidade vertical, E deixam cahir amarras na agua pelas folhas uma a uma dentro... N�o sei quem me sonho... S�bito toda a agua do mar do porto � transparente E vejo no fundo, como uma estampa enorme que l� estivesse desdobrada, Esta paysagem toda, renque de arvores, estrada a arder em aquelle porto, E a sombra d'uma n�u mais antiga que o porto que passa Entre o meu sonho do porto e o meu v�r esta paysagem E chega ao p� de mim, e entra por mim dentro, E passa para o outro lado da minha alma... *II* Illumina-se a egreja por dentro da chuva d'este dia, E cada vela que se acende � mais chuva a bater na vidra�a... Alegra-me ouvir a chuva porque ella � o templo estar acceso, E as vidra�as da egreja vistas de f�ra s�o o som da chuva ouvido por dentro... O esplend�r do altar-m�r � o eu n�o poder quasi v�r os montes Atravez da chuva que � ouro t�o solemne na toalha do altar... S�a o canto do c�ro, latino e vento a sacudir-me a vidra�a E sente-se chiar a agua no facto de haver c�ro... A missa � um automovel que passa Atravez dos fieis que se ajoelham em hoje ser um dia triste... Subito vento sacode em esplend�r maior A festa da cathedral e o ruido da chuva absorve tudo At� s� se ouvir a voz do padre agua perder-se ao longe Com o som de rodas de automovel... E apagam-se as luzes da egreja Na chuva que cessa... *III* A Grande Esphynge do Egypto sonha por este papel dentro... Escrevo--e ella apparece-me atravez da minha m�o transparente E ao canto do papel erguem-se as pyramides... Escrevo--perturbo-me de v�r o bico da minha penna Ser o perfil do rei Cheops... De repente paro... Escureceu tudo... Caio por um abysmo feito de tempo... Estou soterrado sob as pyramides a escrever versos � luz clara d'este candieiro E todo o Egypto me esmaga de alto atravez dos tra�os que fa�o com a penna... Ou�o a Esphynge rir por dentro O som da minha penna a correr no papel... Atravessa o eu n�o poder vel-a uma m�o enorme, Varre tudo para o canto do tecto que fica por detraz de mim, E sobre o papel onde escrevo, entre elle e a penna que escreve Jaz o cadaver do rei Cheops, olhando-me com olhos muito abertos, E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo E uma alegria de barcos embandeirados erra Numa diagonal diffusa Entre mim e o que eu penso... Funeraes do rei Cheops em ouro velho e Mim!... *IV* Que pandeiretas o silencio d'este quarto!... As paredes est�o na Andaluzia... Ha dan�as sensuaes no brilho fixo da luz... De repente todo o espa�o p�ra..., P�ra, escorrega, desembrulha-se..., E num canto do tecto, muito mais longe do que elle est�, Abrem m�os brancas janellas secretas E ha ramos de violetas cahindo De haver uma noite de primavera l� f�ra Sobre o eu estar de olhos fechados... *V* L� fora vae um redemoinho de sol os cavallos do carroussel... Arvores, pedras, montes, bailam parados dentro de mim... Noite absoluta na feira illuminada, luar no dia de sol l� f�ra, E as luzes todas da feira fazem ruido dos muros do quintal... Ranchos de raparigas de bilha � cabe�a Que passam l� f�ra, cheias de estar sob o sol, Cruzam-se com grandes grupos peganhentos de gente que anda na feira, Gente toda misturada com as luzes das barracas, com a noite e com o luar, E os dois grupos encontram-se e penetram-se At� formarem s� um que � os dois... A feira e as luzes da feira e a gente que anda na feira, E a noite que pega na feira e a levanta no ar, Andam por cima das copas das arvores cheias de sol, Andam visivelmente por baixo dos penedos que luzem ao sol, Apparecem do outro lado das bilhas que as raparigas levam � cabe�a, E toda esta paysagem de primavera � a lua sobre a feira, E toda a feira com ruidos e luzes � o ch�o d'este dia de sol... De repente alguem sacode esta hora dupla como numa peneira E, misturado, o p� das duas realidades cahe Sobre as minhas m�os cheias de desenhos de portos Com grandes naus que se v�o e n�o pensam em voltar... P� de ouro branco e negro sobre os meus dedos... As minhas m�os s�o os passos d'aquella rapariga que abandona a feira, S�sinha e contente como o dia de hoje... *VI* O maestro sacode a batuta, E languida e triste a musica rompe... Lembra-me a minha infancia, aquelle dia Em que eu brincava ao p� d'um muro de quintal Atirando-lhe com uma bola que tinha d'um lado O deslisar d'um c�o verde, e do outro lado Um cavallo azul a correr com um jockey amarello... Prosegue a musica, e eis na minha infancia De repente entre mim e o maestro, muro branco, Vae e vem a bola, ora um c�o verde, Ora um cavallo azul com um jockey amarello... Todo o theatro � o meu quintal, a minha infancia Est� em todos os logares, e a bola vem a tocar musica Uma musica triste e vaga que passeia no meu quintal Vestida de c�o verde tornando-se jockey amarello. (T�o rapida gira a bola entre mim e os musicos...) Atiro-a de encontro � minha infancia e ella Atravessa o theatro todo que est� aos meus p�s A brincar com um jockey amarello e um c�o verde E um cavallo azul que apparece por cima do muro Do meu quintal... E a musica atira com bolas � minha infancia... E o muro do quintal � feito de gestos De batuta e rota��es confusas de c�es verdes E cavallos azues e jockeys amarellos... Todo o theatro � um muro branco de musica Por onde um c�o verde corre atraz da minha saudade Da minha infancia, cavallo azul com um jockey amarello... E d'um lado para o outro, da direita para a esquerda, D'onde ha arvores e entre os ramos ao p� da copa Com orchestras a tocar musica, Para onde ha filas de bolas na loja onde a comprei E o homem da loja sorri entre as memorias da minha infancia... E a musica cessa como um muro que desaba, A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos, E do alto dum cavallo azul, o maestro, jockey amarello tornando-se preto, Agradece, pousando a batuta em cima da fuga d'um muro, E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabe�a, Bola branca que lhe desapparece pelas costas abaixo... _8 de Mar�o de 1914._ FERNANDO PESS�A. Pre�o 30 centavos LISBOA TIPOGRAPHIA DO COMERCIO Rua da Oliveira, ao Carmo, 10 TELEFONE 2724 End of the Project Gutenberg EBook of Orpheu N�2, by M�rio de S�-Carneiro and Fernando Ant�nio Nogueira Pessoa and �ngelo Vaz Pinto Azevedo Coutinho de Lima and Lu�s de Montalvor *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ORPHEU N�2 *** ***** This file should be named 23621-8.txt or 23621-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/2/3/6/2/23621/ Produced by Vasco Salgado Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. Section 3. Foundation Information about the Project Gutenberg Literary Archive The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director gbnewby@pglaf.org Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. works. General Information About Project Gutenberg-tm electronic Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
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